17 de ago. de 2007

UM MENINOZINHO VINHA VINDO...


*Um meninozinho, João Balãozinho, vinha vindo em seus passos travessos, de cumprir um recado na loja, satisfeito, con­sistido de trazer em cada sua mão, engarrafado, um litro de vinho. Que era mister, em assinadas ocasiões, ter de ir-se por essa malvasia, a comprá-la, tão sempre desexistida foi ela das terras gandaresas, que não a produzem, sáfaras de areia e vento, leiras magras de chorume para imprir-se um plantio de bacelo. Há que, portanto, na devida maré, e quando é o caso, prover ao devido em afazeres diversos como: ser o dia de cozer­-se a broa, ou trazer gente de fora numa tardada, ou vir um alguém de visita, inesperado ou não, e ter de beber-se uma pinga. Que é, neste caso derradeiro, o que mandam as regras e usos de bem receber. Ah!, e a Gândara é hospitaleira.
Lá vinha vindo, pois, esse meninozinho com as duas garrafas bem aviadas, porque a mãe, no azo, já trazia o lume ao forno. O que, era, portanto. E havia de chegar um tal Maiorqueiro, ao cerrante da noite, fechar o negócio do boi de cobrição, que ficou de remissa da feira de Gatões. Eram dois os motivos por que, então e portanto. João Balãozinho vinha transportando essas duas garrafas, pejadas que nem, em cada sua mão, equilibrado no peso do corpo. Vem por carreiras e travessias de pinhais, o chão descarnado, e em cujos e quais pode muito bem dar-se uma topada. Porque há sempre uma raiz imprevista e treda, celerada, ou uma cova-falsa igualou tão mais.
(…)
Pois lá vinha vindo, cumpridor, esse meninozinho João Balãozinho; lá vem ele em suas alegrias ladinas, mas ainda no seu prazo, miúdos passos, ou conforme, porque há o parar e olhar, voou o garrancho do seu poiso, ou gaguejou a pega tagarela. E há que seguir o rumo e arte do peneireiro, ou escutar, atentivo, a trombeta do moquenco pontual, algures, rosnento e grosso, que é para distinguir: se é o burro do moleiro Zé Maluco, ou o das Quintaloas, ou a burra nova da tremoceira Maria Umbelina. Que vos parece?
(…)
João Balãozinho, que num ponto da sua viagem havia de cruzar-se com Manuel da, Fanata, o dos burros, o qual vai prendê-los nalguma resteva, ou num vaIado de sil­vas, ou num combro inventado para relvar-se. E era um casal, os cujos que iam levados à corda, o burro e a burra, que o meninozinho bem viu os escritos lá deles. Pois ficou-se parado a olhá-los, que lá iam indo, indo-se, subalternos e tão submis­sos, campassados. Aonde é que sítio ia o Fanata prendê-los?
Esse era um menino muito interrogativo, João (…)
(…)
Porém, quando. Estão a burra e o burro em seus cios transparecidos, tão assim, e nem as cordas não foi preciso esticá-las até finalmente; e já se davam em cheiraduras e mimos de beiços, espirravam estrondos, aluadões, a mostra­rem os dentes todos que tinham. Espoldrinhavam a sua ale­gria, amorudos, desencabrestados, a resteva era o seu paraí­so. Quem passasse havia de apreciar, quem é que não?, estes trafegos. E sobretudo, ah!, e sobretudo. Porque o burro tinha uma grande maçaneta a nascer-lhe na pele da barriga, ou era um unteiro, que crescia, e crescia;
(…)
E ouve-se o carro do Toino Quintaneiro, de regres­so a casa, gemendo a falta dum untozinho nas garridas de cada coicão. O que é mais um sinal, outro, de estar a luz por um triz, com um pé no dia e o outro já dentro da noite.
Foi quando no interim e átomo do tempo, irremediável. Foi quando. O burro atirou as ambas patas para cima de quem estava a pedi-las, jogadas à bruta, escarranchado ao pino, gi­gante. Momento penetrante, oh! O chão estremeceu por todo ele, abalado inteiro, e a burra atreveu-se com todo o peso e poder do seu semelhante. A quanta brutidade e fragor!
E nunca não soube-se onde o meninozinho estava com os pés: se assentados no firme, estando espasmecido no meio do carreiro; ou se ele estava embarcado nalguma nuvem, transplantado, por outros mundos remotos. João Balãozinho estava com as mãos caídas dos braços, assombrado, e das cujas e quais, intactas e cheias, pendiam as garrafas de vi­nho. Tivesse-as ele posto no chão, ao alto, que ficavam res­guardadas dos mil perigos à vista. Mas (…)
No meio do caminho, hem! Tinha uma pedra e topada, estardalhaço, o vinho e vidro em mil pedacinhos.
* Idalécio Cação, Os pés e as mãos, ret. de O Chão e a Voz, ed. Escritor, 1998

16 de ago. de 2007

UM SECRETO ENTARDECER



A Figueira dos meus tempos ainda é a do carro americano, esse brinquedo inefável tirado a um par de mulas e que desenhava um jubiloso percurso desde o largo fronteiro à estação (havia um túnel junto ao Ténis Clube) até um pouco para além de Buarcos.
Casinos eram vários: o Europa, hoje parece que pensão, onde todas as noites se exibia um excelente quarteto de que era pianista o compositor Ruy Coelho; o Espanhol, na actualidade Café Nicola, com atracções de vário tipo; o Oceano, animado pelo conjunto do hábil pianista figueirense de apelido Mesquita, mais conhecido por Mesquitinha, pai de 6 ou 7 filhos e de temperamento bastante remexido e ambíguo; por fim, o Grande Casino Peninsular, que atingiu por essa época os momentos sem dúvida mais prestigiosos de toda a sua história.
Dirigido por Ernesto Tomé e Arménio Faria, figuras ímpares de largo espírito criativo, lúdico e bem-humorado, ali se efectuavam as sete voltas ao casino (réplica juvenil de certos feitos do ciclismo local); e essas admiráveis festivas garraiadas infantis, com garraios autênticos, e os rapazinhos vestidos a carácter (lembra-se, Dr. Joaquim de Sousa?), enfiados em nervosos cavalos de pasta, prontos, os corcéis, a entrarem ao som de um paso doble nobremente na arena.
Pelo menos uma vez por semana havia música de concerto pela orquestra de Salão regida pelo notável violinista René Bohet. E música militar no coreto do Jardim. Onde, santo Deus, tudo isto já vai.
A Figueira desse tempo era uma cidade culta. Exigente, cosmopolita e viva, cidade aberta e atractiva, muito procurada por espanhóis da raia e da meseta. Muitos outros estrangeiros vinham para a então “Rainha das Praias” em busca de sol, iodo, mar e diversões.
Personalidades como Vitorino Nemésio, de quem tive a honra de ser amigo, ali passavam com a família a época balnear, frequentando o então querido Professor a Farmácia Gaspar, na rua da Liberdade, onde volta e meia se reunia com Joaquim de Carvalho, João de Barros, Mesquita de Figueiredo, Gaspar Simões e outras imperecíveis figuras tutelares.
Impossível esquecer as garraiadas de beneficência, com o David Viana, o Boa Nova, o “Charlot” e outros mais, todos de branco (…)
Sim, esta era a minha cidade, a minha rara cidade de outrora, pequeno burgo de ruas de vento e palmeiras, lugres, caiaques, gaivotas, cais solitários e marés vivas.

Luís Cajão, Um Secreto Entardecer, ed. Escritor, Lisb. 1998

15 de ago. de 2007

JOSÉ BENTO PESSOA (1874-1954)



* José Bento era o ídolo dos figueirenses. Tinha já batido o record mundial e derrotara grandes campeões. Os seus patrícios não toleraram a vitória de Dionísio (1). Os jornais da época insurgem-se contra os exaltados que não souberam conter-se.
Pode dizer-se que o ciclismo ginasista de então nasceu, viveu e morreu com a actividade de José Bento (2). A carreira do figueirense é uma página única do desporto nacional.
De 1892 a 1905, com um interregno de 1902 a 1905 correu em Espanha, França (Paris) Bélgica (Gand), Suiça (Genebra), Itália (Turim) Alemanha (Berlim) e Brasil (Pará). Em Espanha disputou provas em Vigo, Corunha, Sevilha, Bilbau, Salamanca, Ávila e Madrid. Na capital de Espanha esteve continuamente oito meses e, em Paris, dois anos. Em Maio de 1897, na inauguração do velódromo de Chamartin, Madrid, ganhou a prova internacional e bateu o record mundial dos 500 metros, que pertencia a Jacquelin, baixando o tempo de 34,6 para 33,2 segundos.
(…) Conquistou grande número de medalhas e objectos de arte, e entre os prémios pecuniários que obteve conta-se o que ganhou no Pará – 10 contos fortes.
(…) Quando as notícias das vitórias chegavam à sua terra, o entusiasmo dos figueirenses expandia-se em manifestações ruidosas e festivas: saíam as filarmónicas, a fachada do Teatro Príncipe iluminava, havia marchas, au flambeaux – uma loucura. E quando o campeão vinha descansar – meia Figueira ia festejá-lo. Chegou a ir da estação do Caminho-de-ferro para casa aos ombros dos mais entusiastas. Isto aconteceu, por exemplo, quando, logo a seguir à derrota de José Bento, nas festas do S. João de 1901, ele regressou do Porto, onde vencera duas vezes José Dionísio no velódromo Maria Amélia.
(…) Em 1 de Setembro de 1901, os clubes ciclistas do país prestaram uma homenagem ao grande campeão. Para lhe ser entregue uma mensagem e um brinde, organizou-se a estafeta ciclista Lisboa-Figueira.
José Bento Pessoa foi não só um campeão mundial, o maior ciclista de velocidade do seu tempo, mas também um treinador competente.


* In, Cardoso, J. Sousa, Ginásio Clube Figueirense, subsídios para a sua história (1895-1944), Figueira da Foz, 1944

(1) José Maria Dionísio, de Viseu, bateu José Bento Pessoa na grande corrida de S. João de 1901, no improvisado velódromo da então rua do Príncipe Real (da República) e Fernandes Tomás.
(2) Outros ciclistas da altura, companheiros de José Bento, eram: José de Araújo Coutinho, Albano Custódio, Constantino Pessoa, Manuel Simões Barreto, Adolfo Rodrigues, António Pestana, José Novaes, António Reis, Afonso Rainha, Rodrigues de Oliveira, António Mesquita, Joaquim Alves Fernandes Águas.

14 de ago. de 2007

POETAS FIGUEIRENSES

Começo de Confidência

Sentemo-nos aqui, n`este sombrio
Recanto onde a silveira vive presa.
Em trez léguas d`aqui em redondeza
Vemos os campos…os casais…o rio…

Tu, que andaste de mim tão erradio
Porque, segundo a voz da aldeia reza,
Tinhas queda também p`rá camponesa
Que a cabeça me poz em desvario;

Tu vaes agora ouvir, porque decerto,
Se tens amado, entenderás melhor
Toda a história das penas que padeço.

Ouve-me bem; e diz do teu acerto
O que é que pensas: - Uma vez Leonor…
- S`tas attento a ouvir-me? – Então começo…
……………………………………………….

1904 Sant`Iago Prezado

PETRÓLEO FIGUEIRENSE

Narra Manuel Gaspar de Barros nas suas Memórias (1) que em 1917 “quando se abriu um poço de água na Rua das Lamas (…) no palácio que fora do Conde de Verride, o Dr. João Santiago Prezado, poeta e diplomata, apareceu petróleo a sobrenadar na água”.
Refere que Prezado encomendou dois estudos a um professor do Técnico de seu nome Fleury, o qual investigou as regiões do Mondego inferior e a região situada “entre os paralelos de Cantanhede e Alcobaça”.
O Prof. Fleury recomendava sondagens a fazer em Verride e nos Vais, as quais não tiveram depois andamento.
Mais tarde, já nos anos 40, a Companhia de Petróleos de Portugal (capital do Estado português e de um empresário nórdico) – ainda segundo Manuel Gaspar de Barros – fez sondagens em Verride e ali, a poucos mais de mil metros, “apareceu algum petróleo”, mas a CPP tinha poucos meios e as sondagens foram pouco profundas.

Fleury também assinalou petróleo no Cabo Mondego e neste local “os belgas da sociedade Foraki (…) parece que o encontraram nas sondagens que fizeram na procura do carvão”.
Manuel Gaspar de Barros refere ainda que o Conde de Castellane, judeu exilado na Figueira aquando do grande conflito europeu, lhe terá assinalado o seu feeling de que haveria petróleo no Cabo Mondego. O conde era um “experimentado pioneiro do Cáucaso”.
Já nos anos 70 voltaram a fazer-se sondagens. O ouro negro foi encontrado mas não em quantidade que justificasse a sua exploração comercial.

(1) Manuel Gaspar de Barros, filho de Manuel Gaspar de Lemos, in Memórias, Ed. do autor, 1982

A ÁGUA



Em 22 de Agosto de 1889 a água correu pela primeira vez nas canalizações das casas da Figueira da Foz. Três anos antes a Câmara tinha adjudicado a concessão do abastecimento de água e gás à firma inglesa Kirkham e Hersey (V. n/ post Dezembro, 2004, sobre a iluminação a gás) a qual cedeu direitos à Anglo-Portuguese Gás and Water Cª.
Sabe-se que António Santos Rocha, aquando do seu primeiro mandato como presidente da Câmara (1878-1880) fez contactos no sentido de se estudar o abastecimento de água à cidade e que um seu antecessor, João José Costa, em 1864, chegou a colocar a hipótese de aproveitar os caudais da vertente sul da Serra da Boa Viagem; certo é, também, que já nos finais do século XVIII a resolução do problema tinha sido tentada.
Em Agosto de 1889, a água, captada em Tavarede (Prazo), corria em mais de 400 casas figueirenses. Rezam as crónicas que não era de grande qualidade.
A população mais pobre não a podia pagar e continuava a valer-se das fontes disponíveis: da do Largo da Fonte e da Várzea (não sabemos se se mantinham activas as da Bica e a de Stº António), embora estas estivessem também inquinadas.
Em trabalhos efectuados nos finais dos anos 80 (há 20 anos), técnicos do Museu Municipal estudaram duas antigas galerias de abastecimento de água (1) (de finais do séc. XVIII), uma com nascente na mata de Stº António e outra numa mina no Casal da Rata, a qual descia a rua dos Combatentes, possivelmente até próximo da praia da Reboleira, servindo o abastecimento de navios.

(1) V. Revista Litorais, nº 2, Maio de 2005, Os primórdios de abastecimento de água à Figueira, um artigo de Isabel Pereira

5 de ago. de 2007

A MULHER QUE...



* Tinham ido à Serra da Boa Viagem. Era uma tarde de calor. A bola do sol parecia uma brasa redonda. Estava tudo azul e oiro. O céu. Os longes do mar. O rio quieto. Na fornalha do sol candente, os corpos, as almas, as coisas ardiam. O automóvel galgava as lombas da serra. E a vida crepitava em labaredas. E dessa vez duvidou…
No topo da serra, o panorama surpreendente, fez esquecer tudo o restante. É certo que a bola do sol boiava no azul sem vinco, derramando calor. E que ao Redol, pelos montes que se esfumavam nas distancias, pelo vasto mar sem fim, pela fita de nastro do rio que serpeava entre margens dum verde moço, pelos areaes do sul que flamejavam, - era tudo azul e oiro. Mas o panorama deslumbrava as retinas. E o resto esqueceu…
Saíram do carro. Da eminência, era um assombro de belesa que se rasgava. Desceram à mata dos cedros. Era tudo quiétude e silencio. Nem viv`alm! As franças do arvoredo, baloiçavam-se com tanta doçura, que o rumo era tão brando como uma carícia. Florice, enlaçou Luisinha. No ar palpitavam azas de seda, seivas perturbantes. As mãos de Florice, subiram o busto da amiga…
- Que lindo… que lindo…
Um dos seios de Luisinha, estava na concha das suas mãos:
- Que lindo… que lindo…
Mas Luisinha desprendeu-se. Correu. E dessa vez duvidou…
* Da novela "A mulher que não gostava de homens", de RAYM. (pseudónimo de Raymundo Esteves) editado em 1936

O DESEMBARQUE


* De 1 a 3 de Agosto de 1808 (passam 200 anos daqui a um ano) desembarcaram na praia do Cabedelo (1) dez mil soldados do corpo expedicionário inglês, comandadas pelo célebre Wellington. No dia 8, juntaram-se a estes mais cinco mil homens sob o comando do general Spencer.
O desembarque foi complicado devido ao estado do mar, apesar do auxílio prestado pelos figueirenses e pela galeota dinamarquesa “Elisabeth”.
Wellington ficou hospedado na casa do pároco António de Macedo, em Lavos, onde montou o seu quartel general e onde lhe foi dada a comer - por mor da fraqueza que trazia - uma canja rica, que ficou celebrizada numa carta do general a um amigo.
Em 1932 foi colocada na dita casa a placa da imagem.
* Veja-se o arquivo de Julho de 2004 onde se insere uma carta de um soldado inglês do corpo de Wellington escrita a 8 de Agosto de 1808 a partir do acampamento de Lavos, próximo da Figueira.
(1) M. Pinto e R. Esteves referem que o desembarque ocorreu dentro do porto da Figueira.

4 de ago. de 2007

FOLCLORE PORNOGRÁFICO


É lançado hoje, na Havaneza, um fac-simile do "Folclore Pornográfico da Figueira da Foz", uma obra editada em 1914, sem identificação de editor ou tipografia.

Trata-se um conjunto de quadras, adivinhas, imprecações, superstições, costumes, adágios, contos e modismo do bom povo figueirense. O conteúdo, popular e brejeiro, de cariz desveladamente erótico, revela acima de tudo a linguagem que as gentes utilizavam para traduzir aquilo que constituía conteúdo proibido nos meios sociais castos e púdicos.

Julga-se que este "Folclore" constituiu recolha de Cardoso Marta e Augusto Pinto, pois os mesmos editaram em 1911 e 1913 um "Folclore da Figueira da Foz" em dois tomos, obras que seguem a mesma sistematização que a sua congénere "pornográfica", a qual parece ter sido amputada daquelas primeiras edições.

Aqui fica um pouco do verbo desse saboroso "Folclore" agora reeditado:


Menina da saia branca
com sua barra por baixo,
deixe ver o pintassilgo
pr`a meter o meu cartaxo.

O cartaxo quer casar,
a folosa anda saida,
e anda o pisquito de roda
p`ra lhe meter a torcida.

Vou-te rogar uma praga:
em casa te cáia um raio
que te cáia entre as pernas
e te rache o papagaio.

28 de jul. de 2007

HÁ 125 ANOS


Assinala-se, neste 2007, 125 anos da elevação da vila da Figueira da Foz do Mondego a cidade.
Em 1882 a cidade e a região conheciam um progresso de registo. Nos dez anos que precederam a elevação a cidade registaram-se um conjunto assinalável de obras demonstrativas da pujança do lugar: em 1870 foi fundada a Empresa das Minas de Carvão do Cabo Mondego que viria a dar na Companhia Mineira e Industrial do Cabo Mondego; em 1872 foi instalada a fábrica de vidro do Cabo Mondego e em 1874 a Companhia conseguiu a desejada ligação por via-férrea ao porto, através do Americano. Neste mesmo ano iniciou-se a construção do Teatro Príncipe e no ano seguinte a estrada em direcção a Leiria ( a estrada para Coimbra precedeu esta alguns anos e diminuiu em 5 horas a viagem).
Em termos económicos a vila ganhava dimensão: para além das minas e do vidro, tinham importância a extracção de pedra, a salicultura e, claro, a pesca. Esta última sustentava um sector exportador que era o das conservas, também a ganhar preponderância. Acresciam a produção de cal e cimento (com força a partir da década de 80), a cerâmica (destaque para a Manufactura Cerâmica Figueirense, a funcionar no Viso), a metalúrgica (Mota de Quadros, 1878 e Oficinas do Mondego, 1891), a construção naval e a exportação do vinho.
Um mês antes da elevação a cidade, foi aberta a linha da Beira Alta (1882) e em 1888 chegou a Linha do Oeste. De 1884 data o teatro Circo Saraiva de Carvalho, a adjudicação da água (1886) e a iluminação a gás (1889). O mercado em 1892. Em 93 nasceu a Naval 1º de Maio e foi criada a Escola Industrial, em 94 o Museu, em 95 o Ginásio e o Coliseu e em 98 o edifício dos Paços do Concelho e o Casino Oceano. É caso para dizer que os últimos 30 anos do século XIX, que assistiram ao nascimento da cidade, são fecundos em realizações, embora do ponto de vista social se conheçam períodos de grande fome (1876, 1878 e 1893). É sabido que a partir da década de 90 o comércio exportador caiu de forma abrupta. Em Fevereiro de 1900 um texto na Gazeta da Figueira referia que “A Figueira não tem comércio, não tem indústria, não tem agricultura, isto é, presentemente, só a época balnear e o comércio do bacalhau são os seus principais factores de vida” (1)
Em 1878 a Figueira tinha 1080 fogos e 5676 habitantes e Buarcos 800 fogos e 3182 habitantes. Em 1886 assinalavam-se 6 hotéis.

Em Janeiro de 1883 na revista O Ocidente escrevia-se: (2)
A Figueira é das povoações de Portugal que nos últimos tempos mais se tem desenvolvido (…). Ainda nos princípios deste século passado, era apenas uma aldeia com 300 habitantes e pouco mais desenvolvimento tinha, quando em 1771 El-Rei D.José a elevou à categoria de vila.
(…) Hoje, a Figueira é uma cidade que está crescendo a olhos vistos, organizando companhias edificadoras que têm aumentado consideravelmente o número de edificações, ascendendo já a não menos de 1600 fogos, com cerca de 6000 habitantes.
Possui edifícios notáveis, incluindo um magnífico teatro e seu porto está defendido por uma doca de construção recente (…)
O seu aspecto é alegre e festivo e de um delicioso pitoresco, a par do seu belo clima.
Este conjunto de atractivos, chama um grande número de banhistas, na estação própria, às suas magníficas praias.
O seu comércio é importante, para o que lhe basta ter um magnífico porto de mar por onde se exporta grande quantidade de sal, azeite, vinhos e cereais, etc.
Agora o caminho-de-ferro da Beira Alta vai dar-lhe mais elementos de vida e desenvolvimento assegurando um futuro próspero a esta boa terra.”
(1) Cit. por Cascão, Rui, Figueira da Foz e Buarcos, Figueira da Foz, 1998
(2) Cit. por Jardim, José, As grandes linhas de uma cidade, Figueira da Foz, 1947

BENTO JOSÉ DA SILVA, 1º JUIZ DE FORA

Elevada a vila por decreto de 12 de Março de 1771, a Figueira da Foz teve como primeiro Juiz de Fora, Bento José da Silva que tomou posse em 30 de Julho.
Bento José da Silva nasceu em Coimbra em 1736 e tencionava seguir a carreira eclesiástica, da qual, entretanto, desistiu. Tomou posse na Figueira, pois a Câmara só em 1773 se mudaria de Tavarede para a novel vila (1).
A criação dos Juízes de Fora remonta ao princípio do século XIV e constituiu uma medida centralista, porquanto estes oficiais eram nomeados pelo rei e representavam a coroa. A sua designação está relacionada, justamente, com o facto de serem de fora, isto é, estranhos aos concelhos onde oficiavam; a razão desta qualidade reside no entendimento de que os de dentro não teriam a independência necessária para administrar a justiça (Manuel Fernandes Tomaz foi Juiz de Fora em Arganil)
Bento José da Silva teve tarefa difícil pois caiu no meio do braço de ferro entre o Cabido da Sé de Coimbra e a poderosa família Quadros.
O primeiro Juiz de Fora da, então, vila da Figueira da Foz casou na Qtª do Canal com D. Caetana Ifigénia de Salazar Vasconcelos da Silva e Crato, mais nova vinte anos que seu marido. A família possuía linhagem no oficio da magistratura de Alfandega e de Fora. A sua mãe e suas sete tias eram conhecidas como “as senhoras alfandegas”.
(1) De acordo com João P. Mano, in Litorais, nº 3, Nov. 2005

27 de jul. de 2007

A ALFANDEGA


É corrente atribuir-se à Alfandega nacional a idade da nação; na Figueira, os serviços de Alfandega instalaram-se em 1707. Contam por isso 300 anos. Dizia um velho regulamento que a Alfandega estava onde houvesse “portos secos, molhados e vedados”.
A etimologia da palavra provém do árabe e remete para um lugar de grande movimento, barulho e azáfama. Coincidem, por isso, as alfandegas, com o desenvolvimento do comércio. Assim foi entre nós.
A Casa do paço tinha começado a construir-se no início do século e poucos anos depois reedificava-se a igreja matriz. A Figueira tinha pouco mais de 700 habitantes e estava ainda a alguns nos de ser vila, mas no final da década de 50 já se reclamava esta pretensão. A burguesia ganhava preponderância social.
A Alfandega contribuía para as receitas da Câmara e em alguns anos, já no final do século, o seu contributo chegava a 50% daquele montante, sabendo-se, no entanto, que o seu contributo era um montante fixo. “A alfandega era um foco de poder com maior protagonismo do que propriamente a Câmara e esse fazia-se sentir a nível tanto económico como social”. Os habitantes “estavam muito mais dependentes da justiça exercida pelo juiz da alfandega do que pelo juiz de fora, porque pelo primeiro passavam as principais determinações sobre as suas actividades”.(*)

(*) Citações retiradas de Oliveira, Isabel, A Figueira da Foz de 1771 a 1790: poder e quotidiano municipal, 2005, ed. da C.M.F.F.


13 de ago. de 2005

O TEATRO DE AMADORES NA FIGUEIRA



Tida como terra onde o teatro amador muito se desenvolveu, a Figueira, tal como as outras terras, dava espaço ao teatro religioso e ao drama social.
Os Autos Pastoris ou Presépios cumpriam os valores da religiosidade popular. Estes remontam ao século XVIII mas perderam importância ao fim de algumas décadas, ressurgindo nos finais do séc. XIX. Nesta altura, no entanto, o carácter profano foi-se introduzindo nos Autos, aparecendo além das cenas clássicas de nascimento e adoração ao menino, novas cenas, adaptadas à realidade social local – um panfleto anuncia em 1920, na Philarmónica 10 de Agosto a “representação da tradicional e aparatosa peça phantástica OS REIS MAGOS e acrescenta “ e algumas engraçadas scenas dos Autos Pastoris”.

De acordo com Rui Cascão os Autos tinham uma função gastronómica onde cada espectador se apresentava “com a competente garrafa de vinho e respectivos nacos de torta doce e filhós”. A entrada no século XX apagou a tradição dos Autos que em 1909 já só se representavam na sede do Rancho do Vapor (em 1908 o Theatro Príncipe estreava a comédia “Fazer fogo com pólvora alheia”).

Com os ideais republicanos aparece o drama social, representado nos teatros operários, como o muito popular Teatro do Pinhal que albergava o Grupo Dramático Recreio Operário. As peças exibiam títulos como “O Veterano da Liberdade”, “A Ceia dos Pobres”, “André, o Fabricante”, “Gaspar, o Serralheiro” (esta, ainda há pouco levada a cena por um grupo amador nas Jornadas de Teatro de Amadores) e “Leonardo, o Pescador”. Em Buarcos e após a sua fundação (em 1907), o Grupo Caras Direitas era um esteio deste tipo de teatro. O Teatro Taborda, de Brenha, inaugurado em 1897 estreou-se com o drama “O 8 de Maio” de César de Sá, um autor local e o Teatro Trindade (então chamado Teatro do Celeiro) abriu em 1910 estreando “O Moleiro de Alcalá” (uma zarzuela) e o drama “A Pátria” pelo Grupo Philantrópico Instrução e Recreio. A Sociedade de Instrução Tavaredense inaugurou-se em 1904 com 3 comédias, cada uma em um acto.

Entretanto, nas sociedades recreativas burguesas, como a Assembleia Figueirense, o Ginásio Club Figueirense e o Grupo Dramático Figueirense, abrilhantavam-se operetas e comédias, muitas delas de autores locais.

29 de jul. de 2005

JOAQUIM ANTÓNIO SIMÕES





Nascido na freguesia da Abrunheira (1817-1905), Joaquim António Simões herdou posses dos seus pais e de um irmão. Desenvolveu, no entanto, actividades bem sucedidas no comércio exportador e deve ter sido o mais notável dos comerciantes figueirenses.

Exportou para o Brasil e outras paragens, Vinho do Porto, espumantes da Bairrada, geropigas, aguardentes e um licoroso de fabrico próprio, que se assemelhava ao Madeira; mais tarde canalizou os seus negócios para as ex-colónias de Angola e Moçambique.

Rezam as crónicas que os seus armazéns (em número de 14, localizados onde é hoje o Palácio da Justiça) eram dos maiores do país e que foram montados por operários de Bordéus. Empregava, na sua tanoaria privativa, nos momentos de maior trabalho, cerca de oitenta operários e utilizava “as mais modernas e apuradas machinas”. Os seus produtos foram medalhados em Filadélfia, Paris e Cidade do Cabo.

Joaquim António Simões foi membro do Partido Progressista e foi ministro de D. Maria em 1848.
A ele se ficou a dever a construção do Teatro Circo Saraiva de Carvalho (concluído em 1885), que viria a dar origem ao actual casino (foi o principal accionista da Sociedade Teatro-Circo Saraiva de Carvalho), e foi o grande impulsionador da construção do ramal ferroviário da Beira Alta (1882). Também se deve à sua influência a construção da primeira ponte sobre o Mondego (1906).

Vejam o post "As pontes da Figueira" de Agosto de 2004.

25 de jul. de 2005

A CASA DO PAÇO




Em 1701 iniciava-se construção da nova igreja matriz. Eram tempos difíceis pois o povo pediu ao Rei que os dízimos entregues ao Cabido da Sé ficassem aqui, para ajudar à construção do templo. Esta deverá ter sido também a razão pela qual se interromperam, nesta altura, as obras de reconstrução das fortalezas de Buarcos e da Figueira, que se realizavam por alvará de D. Pedro II.

Em 1704 morria o bispo-conde D. João de Melo – 49º Bispo de Coimbra e 14º Conde de Arganil, nascido na Figueira da Foz em 1620 - a quem se atribui a construção da Casa do Paço, iniciada em 1700. Refere o investigador Arnaldo Soledade que o bispo mandou erigir a Casa “por sentir na carne os efeitos estivais da velha Coimbra”.

Na verdade, o bispo não devia andar bem pois não sobreviveu para ver a edificação completa. Tudo indica que a Casa nunca foi concluída, face ao projecto inicial, pois falta-lhe o torreão poente.

A razão da atribuição da Casa a D. João de Melo prende-se com a similitude da sua fachada principal com a fachada norte do Convento de Stª Isabel. Os torreões também são iguais, têm as mesmas proporções e igual coroamento.

A Casa foi deixada pelo Bispo-Conde ao seu sobrinho D. António José de Melo, cujos descendentes foram condes da Figueira. Já foi hospedaria, sede da Assembleia Figueirense, colégio, ginásio, museu municipal e local de instrução militar.

24 de jul. de 2005

A GRANDE EPIDEMIA E O CRUZEIRO



Quando o general Massena passou a fronteira com um exército de 60 mil homens, as populações das aldeias limítrofes acorreram à cidade em busca de protecção. A grande aglomeração de famílias em condições de pouca higiene gerou uma epidemia que provocou forte mortandade (mais de 5 mil mortes), tendo atacado também os “soldados da Brigada”.

O número de mortes obrigou a Câmara de então a abrir novo cemitério, pois o adro da igreja matriz mostrava-se insuficiente. A decisão teve lugar a 24 de Janeiro de 1810 e reza assim uma passagem:

“(…)Se não deviam enterrar no centro da povoação onde está a egreja e o seu adro, e por conseguinte se devia estabelecer um logar mais remoto e separada para que os mesmos se sepultassem com segurança do público (…) e assentaram que o sitio mais adequado (…) fosse a Cerca do Convento de Santo António”.

Com a batalha do Bussaco e tendo as Brigadas deixado a Figueira da Foz, as gentes refugiaram-se nos arredores, pelos pinhais e montes.
Em Outubro, Massena mandou Montbrun à Figueira para saquear os armazéns da terra que se julgavam bem abastecidos, mas os franceses encontraram-nos vazios.

Com a saída dos franceses do território nacional começou a chegar à Figueira forte apoio em alimentos que eram distribuídos para outras paragens.

Todos dizem que a foz de Figueira do nosso Mondego está coalhada de Hyates e outras embarcações de transportes”.

Para assinalar estes acontecimentos foi erigido em 1912 um cruzeiro, em cuja base um texto dá conhecimento destes factos e que se encontra agora na rua Heróis do Ultramar.


Nota: O monumento está completamente abandonado mais parecendo uma lixeira; falta, no seu exterior, uma explicação alusiva aos factos históricos que lhe deram origem.

22 de jul. de 2005

AS ESCOLAS NA FIGUEIRA DA FOZ



Em 1779 a Rainha D. Maria, mulher dada aos assuntos da educação, criou uma Aula de Gramática Latina e mais tarde uma escola de ler, escrever e contar entregue aos frades do Convento de Stº António.

Quase um século depois foi criada uma Aula de Desenho Industrial (1888) sendo estabelecida em 1889 a Escola Industrial. Dois anos depois esta escola “caía” mas Bernardino Machado, em 1893, havia de a reabilitar. Esta escola leccionava Desenho Geral e Industrial, Língua Francesa e o Curso Elementar do Comércio.

Em 1910 foi fundado o Colégio Figueirense por José Luiz Mendes Pinheiro que mais tarde (1936) o doou ao episcopado de Coimbra. Viria a ser o Seminário da Figueira da Foz.

Em 1914, já na República, foi criado o Jardim Escola João de Deus, sito no Bairro do Pinhal, obra levada a cabo pela Misericórdia.

Em 1922 nasceu a Academia Figueirense, um externato para rapazes onde era ministrado o curso primário e o curso liceal.

Em 1932 foi criado o Liceu Municipal Bissaya Barreto que funcionava onde era, até há pouco tempo, o terminal rodoviário.

Em 1949 apareceu o Colégio de Stª Catarina, para raparigas.

Em 1961 o Liceu Municipal passaria a Nacional, em 1969 mudou-se para as actuais instalações e em 1978 tomou o nome de Joaquim de Carvalho.

Em 1986 foi criada a Escola Cristina Torres e depois desta surgiram já as escolas Pedrosa Veríssimo, no Paião, a Escola Pintor Mário Augusto, nas Alhadas e a Infante D. Pedro em Buarcos.

7 de jul. de 2005

OS MERCADOS DA FIGUEIRA E O JARDIM (1770-1892)



O primeiro mercado da Figueira da Foz começou a funcionar por volta de 1770 no local onde é hoje a Praça Velha. Ao tempo, a praça era uma enseada do rio designada Praia da Ribeira e servia de estaleiro. O mercado funcionava na zona onde hoje se encontra o pelourinho.

Em 1772 a Câmara mandou aterrar a enseada tendo os trabalhos ficado concluídos em 1784. A zona aterrada deu então lugar à designada Praça do Comércio, a qual passou a ser o coração da vila.

O local onde hoje se encontra o Jardim Municipal era igualmente uma enseada do rio (a mais profunda) chamada Praia da Fonte que servia de doca para conserto de embarcações. Em frente havia uma doca para fundeadouro e descarga e toda a frente ribeirinha, dali até ao forte, era zona de armazéns e oficinas: Forjas, serralharias, casa de arreios, carpintarias e cantarias, entre outras.

Aterrada a Praia da Fonte nasceu em 1881 o Jardim Municipal. Tinha uma zona ajardinada, um lago de dimensões razoáveis e um coreto. Curiosamente, o lago ficava no local que viria a ser depois o coreto, ou seja, mesmo em frente ao mercado (V. imagem).

A Câmara de Francisco Lopes Guimarães deliberou em 1890 construir o mercado, tendo escolhido uma proposta da Companhia Progresso Figueirense de Guilherme Mesquita.
O mercado foi inaugurado oficialmente em Junho de 1892.

4 de jul. de 2005

MATCHS DE DOMINGO

Uma delícia esta prosa desportiva encontrada na GAZETA DA FIGUEIRA de 1 de Fevereiro de 1911.

No passado domingo jogaram no campo do Gymnasio, na Morraceira , o 1º e 2º team deste club, e os teams da A. Naval e A. dos Caixeiros.
Ao meio dia jogaram os teams da Naval e dos Caixeiros, ficando o jogo empatado por 0 goals a 0, apezar da boa vontade de uns e d`outros. Há pouco a notar neste match: muita parede dos dois campos (parece que aprenderam agora este modo de defeza); bons shots de um dos backs da Naval e de outro dos Caixeiros; Gouveia, que jogou bem, e que foi ajudado pelos seus insides; Paulo de Carvalho que defendeu bem e … nada mais.
Pouco tempo depois realizou-se um treino entre os dois teams do Gymnasio. No segundo team há alguns players com aptidão para o jogo, e que, como primeiro treino, jogaram menos mal. A. Marques, back direito d`este team, tem um bom shot e fez boas defezas.
Pelas duas horas jogaram os primeiros teams do G. e do A. Dos C. marcando o G. 1 goal contra 0.
A chuva, que começou a cahir com mais abundância, prejudicou muito o jogo dos players, principalmente dos do G. que tinham o vento contra. Os Caixeiros pouco tiveram que defender, pois que o vento rijo que soprava se encarregava de defender o seu goal. José Bento, keeper do G. trabalhou muito e se assim não fosse o G. veria entrar algumas bolas pelo seu goal.
Os players do Gymnasio estavam desastrosos. De quando em quando falhavam shots, até aos que os teem mais firmes. Mas apesar disso, da sua pouca sorte, todos trabalharam com vontade, notando-se Dr. Rainha, nas suas bellas defezas, os forwards que, vamos lá, não andaram mal, F. das Neves e M. Gaspar, halfs, que defenderam bem e José Bento, que como já dissemos se portou como mestre.
Os backs estavam um pouco fracos, o que não admira pois tinham constantemente que defender.

21 de mai. de 2005

A PRAÇA VELHA EM FINAIS DO SÉCULO XIX



(...) Nos finais do século XIX surge-nos a zona mais antiga da praça toda calcetada com árvores junto das ruas laterais e bancos nos intervalos; a zona central da praça apresenta larga faixa empedrada a basalto e no centro uma grande circunferência limitando uma estrela que contem no meio um pequeno círculo com data de 1879 o que nos sugere que o calcetamento tenha sido feito em igual data. Junto aos prédios surgem-nos alguns passeios de cantaria e em dois deles rebatos altos, moldados, que serviriam para impedir a entrada das águas aquando das marés; no topo norte o pelourinho. A zona sul da praça era ainda mais simples consistindo num terreno central alongado até ao cais, em macadame mal cilindrado, orlado de árvores e bancos com duas ruas laterais e passeios estreitos, calcetados.
Foi num prédio desta praça que nasceu o nosso conterrâneo General Freire de Andrade quando o seu pai se encontrava ao serviço das obras do porto.
(…) Ao contrário do habitual não eram a farmácia ou a barbearia os locais mais procurados para cavaqueira desses tempos mas sim o Estanco Real, estabelecimento que tinha o privilégio da venda de tabacos. Era ali que todas as noites, em agradável e ranço convívio, se juntavam as pessoas gradas locais.
Tratava-se de um estabelecimento amplo. Bastante fundo, dividido a meio por um balcão com paredes escuras e forradas até meia altura; do lado de fora situavam-se bancos compridos de madeira de pinho, e a luz, em virtude não haver janelas, apenas penetrava pela porta frontal (...)
Retirado do Dr. Santos Rocha, Materiais...

MOUROS EM BUARCOS



Esta noute de domingo pêra a segunda feira tratarão duas lanchas de mouros de entrar na villa de Buarcos e por ia (já) estar gente metida dentro se lhes fés resistência e se forão vindo acodir um Capitao mor a esta hora que são doze do dia forão vistas cincoenta e tantas vellas e da vella que fiqua no monte alto (Vela, na Serra da Boa Viagem) me avisao que se vista de mais não passando na derrota para essa cidade e por que sendo de inimigos como se presume se podem ir detendo humas por outras aviso a V. magestade e nesta costa de tratar com muito cuidado posto que he terra sem defesa como mais largamente darei conta a vossa Magestade Cuia Catholica pessoa deus guarde nesta costa de Buarcos 29 de Julho 1630
Dioguo Martins coelho

8 de mai. de 2005

A TOMADA DO FORTE DE STª CATARINA



O sargento de artilharia Bernardo António Zagalo saiu de Coimbra à frente de uma força de 40 voluntários, 25 dos quais estudantes.
Pelo caminho os sitiados foram arrebanhando homens para a sua causa, fazendo aclamações e repicando sinos.
Às sete da manhã o batalhão entrou na Figueira e compunha-se então de perto de 3000 homens armados com lanças, piques e foices.

Os franceses, que há 7 meses ocupavam o forte e a cidade estavam desprevenidos. Diz Zagalo:
“Vendo porem, que o povo sem refletir no perigo se adeantava demais, corri à sua frente e o fiz retirar: nessa ocasião dispararão os franceses alguma mosquetearia e huma peça de artilharia sobre nós; mas tendo observado os seus movimentos deitámo-nos e moa ferirão uma única pessoa. Como o cerco estava formalmente lançado e a comunicação como Cabedelo inteiramente cortada intime aos franceses quese rendessem pois sabia que não tinhao mantimentos ara aquele dia, aliás seria passados à espada. O comandante respondeu que era um tenente engenheiro portuguez e que não podia render-se por causa do perigo em que ficava a sua família que tinha em Peniche em poder dos franceses; em razão disto continuou o cerco e quando se estavao para render à descrição de hora a hora recebi no dia 27 (Junho de 1808) ordem do governador de Coimbra para me retirar imediatamente para aquela cidade”.

O povo entretanto entrou pelo forte e com ele as autoridades – major de Buarcos, juízes de Fora da Figueira e Tentugal – e desarmaram os franceses.
Nota: Sobre este assunto veja os posts "Valorize-se o Forte de Stª Catarina" e "Os ingleses na Figueira", ambos de Julho de 2004

FIGUEIRA VILA - MARÇO DE 1771



Hey por bem erigir villa o lugar da Figueira da Fós do Mondego e crear nella o lugar de juis de Fora, Crime e orfaons que terá por destricto os coutos de Mayorca, das Alhadas, Quiajos, TAvarede, LAvos e e az villas de Buarcos e redondos e os ocnselhos e cituações a sul do rio chamado de Carnide ou do Louriçal desde onde principia o destricto da Ouvedoria de pombal ate o Moinho de Almoxarife que tudo hey por desmembrado do destricto de Monte Mor o velho a quem ate agora pertenci e outrossim hey por bem nomear para o logar de juis de Fora o bacharel Bento Joze da Silva o qual fazendo a meu contento a dita creação se haverá o dito logar por cabeça de comarca depois de me servir três annos e os mais que decorrerem emquanto lhe não nomear successor.
Palácio de Nossa Senhora de Ajuda em 12 de Março de 1771

19 de abr. de 2005

FORTIM DE PALHEIROS




Conheceu vários nomes: Fortim da Praia, Fortim do Centro, Reduto Central da Praia; Há quem assegure que se deve a D. Miguel a construção deste reduto de defesa da costa mas não é líquida esta opinião, pois outros encontram-no feito antes das guerras liberais.

O Fortim, que era composto por uma bateria semi-circular, possuia dez bocas de fogo, muralha e parapeitos e ainda uma casa da guarda;contribuia para a defesa da enseada da Figueira a par do Forte de Stª Catarina e do Forte de Buarcos. A sua acção era conjugada com o apoio da infantaria e da cavalaria impedindo eventuais desembarques.
Em 1909 o rei D. Manuel vendeu o fortim em hasta pública tendo-o adquirido Joaquim Sotto Maior pela quantia de quinhentos mil e cem reis.

Foi por duas vezes consagrado como imóvel classificado de interesse público mas tal não o afastou do abandono e do esquecimento.A construção da urbanização da Mata do Sotto Mayor deu o golpe final ao monumento. Restam as pedras que se vêem na imagem.

12 de abr. de 2005

O ESTADO DA NAÇÃO SEGUNDO FERNANDES THOMAS




"O senhor Fernandes Thomaz concluio a leitura do Relatorio ácerca do Estado Publico de Portugal, que se mandou dar ao prelo, e he do theor seguinte:
RELATORIO.
Semhores = O dia 1.º de Outubro do anno de 1820, reunindo em hum só os Governos Provisorios do Porto e de Lisboa, marca em Portugal a epocha para sempre memoravel, de huma nova administração publica, encarregada á Junta Provisional. Como participante de seus honrosos trabalhos, e como orgão della na Repartição do Interior, e da Fazenda, cabe-me em sorte a obrigação de indicar-vos sua conducta, na difficultosa tarefa de que foi incumbida - Lançarei ao mesmo tempo para vossa informação huma vista rapida sobre o estado do reyno, nestes dous interessantissimos objectos; e eu me consideraria feliz se pudesse fazer, tão dignamente como devo a Vós, e á Nação que representais, esta breve mas franca exposição, para a qual he indispensavel que eu chame a vossa attenção.
As causas, que produzirão nossa revolução venturosa, não são desconhecidas de hum só de nossos concidadãos, porque cada hum, na parte que lhe tocava, sentia sobre si o peso enorme das desgraças que affligião Portugal; e nenhum deixa hoje de estar convencido de que era chegado o ultimo instante da existencia politica desta infeliz Patria, se o braço do Omnipotente, confundindo projectos insensatos, não arrancasse das bordas do abysmo tão precioso deposito, para o entregar á vossa guarda, e vigilancia.
Males de toda a ordem se experimentão em todos os ramos da economia particular do Estado, porque a ignorancia, e a immoralidade tudo tinhão contaminado, corrompido tudo. Erros de seculos, e que por seculos havião adquirido a força, e o imperio dos habitos, não podião emendar-se em tres mezes. - A corrupção espalhada por todo o corpo politico não podia debellar-se completamente tem remedios lentos e geraes, porque o veneno atacára ao mesmo tempo toda a massa do sangue, e todo o systema vital.
Assim o Governo, meramente Provisorio desde sua creação, e desde ella tambem pouco poderoso, pela certeza de sua curta duração, não podia obrar com aquella energia que pedem as reformas; e muito mais porque a cada passo se via obrigado a desviar-se das vagas encapelladas das facções, mais impetuosas ainda no meio dos embates de huma revolução começada. - Limitava-se por tanto a pouco mais do que á emenda dos abusos; porque as providencias de universal influencia sobre a sorte da Nação ficavão fóra do seu alcance. Vereis por tanto nesta parte, Senhores, mais o que vos ficou para fazer, do que aquillo que o Governo fez.

RESPOSTA AO ULTIMATUM INGLÊS




Manifesto aprovado pela Associação Comercial aquando do ultimato inglês

“…) tendo em vista:
(…) Que o procedimento violento que usou para com Portugal é incoerente e indigno duma nação civilizada; porque quando a ciência, a diplomacia mais avançada e o sentir geral dos povos cultos procuram substituir à força o direito, à guerra brutal a arbitragem, a Inglaterra que, já do congresso de Paris de 1856, aderira ao protocolo, nº 23, ao voto das potências que nele intervieram de, em qualquer pendência entre os estados, se recorrer a uma potência amiga, antes de usar da força pratica o contrário, preferindo vencer-nos pelo terror e pela imposição da força bruta, a convencer-nos em discussão pacífica e honrosa da legitimidade das suas pretensões o mundo civilizado; (…)

Aderir à liga patriótica, tomando parte no movimento geral do país para os fins que forem convenientemente regulados, abrindo subscrição entre os comerciantes, industriais e proprietários do concelho, cujo produto fará parte da grande subscrição nacional.


A subscrição referida destinou-se à compra de armamento e rendeu 864$710 reis.

30 de jan. de 2005

A DILIGÊNCIA DE COIMBRA À FIGUEIRA



"Viemos ao Natividade à rua da Sofia e tirámos bilhete para a Figueira. Imaginem os leitores seis sujeitos e duas senhoras apertadamente encaixilhados na caixa interior do carro e verão se não arriscavam de morrer asfixiados por um calor descomunal, imenso.
Pois apesar de partirmos à 1 da tarde, aquele calor do dia suavizou-se em o mais agradável cavaco, em a mais alegre convivência dos oito passageiros...

Ao sairmos de Coimbra foram instalados 14 passageiros na coberta do carro, o que dava a totalidade de 28 pernas penduradas à vontade, em todas as direcções do carro, como se fossem pingentes ou filigranas.
Não pudemos suportar então a liberdade daquelas pernas que vinham até nossas cabeças e no auge do nosso protesto, perguntámos ao vizinho defronte se aquilo era proibido.
- É, e tanto que meteram os passageiros fora de portas para a polícia não intervir.
- Mas intervenho eu, disse o companheiro António, tirando o seu bonet de seda e pasando a mão pela testa, toda cheia de globulos de suor, como diamantes ou como gotas de orvalho espreguiçadas nas folhas de uma couve ao sol brilhante de Abril.
- Não faça caso acudiu um respeitavel prior que ia também de viagem; atice-lhe quatro lambadas boas; e essas pernas se recolherão como corninhos de caracóis.
E assim foi.

Passámos ao Choupal, o poético e maravilhoso lugar tão cantado por poetas e prosadores(...). E assim chegámos a Lavariz, a estaçaõ da muda de cavalos.
Dali em diante iam em cima só 4 passageiros que se acomodaram melhor. Começou então o ataque às rabanadas e laranjas duma passageira da Figueira (...) os arrozais com as suas águas estagnadas, pareciam espelhos encaixilhados na terra - e o sol fotografava fortemente os seus raios naqueles caixilhos(...) A estrada muito alongada, muito direita, era abordada de choupos - perdendo-se lá ao fim entre a ramagem das árvores.
A frescura da vegetação e muitos grandes cactus que adornam a estrada dão-lhe um tom de perspectiva admirável.
Os balanços do carro tiravam-nos muitas vezes da respeitosa admiração em que íamos(...)

Chegamos à Figueira (Praça Nova, junto à rua das Flores) entre os raios dourados do sol que se ia escondendo e o oferecimento generoso de valentes mocetonas que estendiam os braços vermelhos, quase cor de lagosta, para nos levar as malas e até a nós, se caíssemos nessa doce condescêndencia.

Texto do Sr. Pist, já citado

23 de jan. de 2005

O BAIRRO NOVO E A COMPANHIA EDIFICADORA



A Companhia Edificadora Figueirense foi fundada em 1868 com o objectivo de "promover diversos melhoramentos materiais na Figueira, e com a especialidade de dar desenvolvimento à formação do novo bairro de Santa Catarina, já principiado na parte ocidental da vida, e contíguo à praia de banhos, construindo casas de habitação e outros edifícios e comodidades para os banhistas e moradores no referido bairro".

Na fundação da Companhia estavam o Eng. Francisco Maria Pereira da Silva (de Lisboa, mas a residir na Figueira, o primeiro a construir uma moradia no Bairro Novo), António Ricardo da Graça e Augusto César dos Santos, de Lisboa, Dr. Francisco António Dinis e José Jacinto da Silva, ambos de Coimbra, Dr. António Lopes Guimarães, Bernardino Teixeira Ferraz, João Fernandes Gaspar, Bacharel Lucas Fernandes das Neves e António Ferreira de Oliveira, da Figueira.

Nos seus estatutos a Companhia propunha-se construir "habitações adequadas para banhistas, com mais ou menos acomodações – tipos para habitação de artistas, homens de mar e operários – tipo para cocheiras e cavalariças; um edifício com quartos independentes para hóspedes, e com amplas salas, ou recintos dispostos para refeições, bebidas, jogos permitidos e concertos de música; um albergue para as classes menos abastadas, um mercado e casas; um estabelecimento para banhos frios e quentes".

Em 2 de Abril de 1869 o presidente da Câmara, Dr. José Joaquim Borges, colocou a primeira pedra duma casa na cerimónia que marcou a construção do Bairro Novo. Era um edifício construído no local onde veio a ser o Hotel Portugal, hoje edifício do Health Club.

O Bairro Novo veio tirar protagonismo às praças na vida social da Figueira. Os cafés e estabelecimentos das praças mudaram para a alta e a colina, que se impunha ao mar, deixou de estar deserta. A construção do Bairro Novo iria permitir a abertura duma nova frente citadina, a frente de mar, e condicionar o crescimento da cidade no século XX.

16 de jan. de 2005

FIGUEIRA VISTA POR DENTRO E POR FORA



Excerto de uma reportagem publicada na Gazeta Ilustrada “O ATHENEU” do Porto em 1881(último ano da Figueira enquanto vila) assinada pelo Sr. Pist. o autor faz ironia com a divisão maniqueísta entre Progressistas e Regeneradores.

No dia seguinte ao da nossa chegada fomos logo de manhã cedo ver o Bairro Novo, o bairro aristocrático, que parece caminhar para Buarcos, assim a modos de quem quer abraçar.
Na verdade é um bairro selecto, uma pequenina miniatura desse grande bairro madrileno, chamado o bairro Salamanca.
O Bairro Novo está construído logo após o Forte de Santa Catarina, cortado de ruas largas e asseadas, e semeado de casas de uma elegância irrepreensível - próprias para gozar.
Dali viemos à praça, onde um mulherio, num zum-zum enorme, vendia peixe seco, fresco, salgado, etc., e ao mercado onde as regateiras se aninhavam ao pé das suas canastras de frutas, legumes, pão, flores, etc.
Tudo na verdade, muito asseado, muito limpo.
No meado do século passado a Figueira era uma aldeiazinha muito bonita, mas sem a importância que hoje tem. Apenas trezentos habitantes viviam ali do fruto dos banhos e da pesca.
A Figueira é uma vila essencialmente moderna, chic - apesar do fundador da monarquia portuguesa, que não era progressista como a srª D. Guilhermina, nem regenerador como o sr. Guilherme da Cunha, ter tido a honra de ir lavar os seus ossos e as suas reais carnes nestas praias ocidentais e douradas.
Ora o fundador - era nada mais, nada menos - que o sr. D. Afonso Henriques, que aí foi por conselhos dos médicos, conforme afirma frei Bernardo de Brito, nas suas Chronicas.
Estamos certos que então a Figueira não era política por dentro nem por fora, - nem o sr. Constantino Sousa, nem o sr. Costa e Silva, nem mesmo o sr. Carlos Guia -guiavam os seus amigos políticos - e outro tanto faziam os srs. Nestório, dr. Borges, João Pedro, Augusto Silvério e Contente Ribeiro, que só se contentam em apoiar os seus.
E estamos de acordo que nesse tempo a carne de vaca era toda regeneradora, e o pão, azeite, o vinagre - pois entravam só no alimento regenerador das pessoas, sem entrar nos domínios avançados da política.
Imagine-se o desconcerto que há-de ser num sapateiro que se vê obrigado a empregar fio republicano no calçado dos seus constituintes! porque, como já temos querido fazer-nos compreender na Figueira há só dois grandes partidos - o progressista e o regenerador.
Perguntamos a uma dama gentil daqui qual o motivo de tanta rixa e a razão de ser daqueles aferrados partidos na Figueira.
- Ignoro, disse ela. Só sei que quem não for da música progressista é regenerador, e quem não for da regeneradora é progressista.
Pareceu-me que a política vinha então dos saxtrompas e dos trombones, mas houve alguém que disse que era um perfeito engano nosso aquela inocentíssima persuasão.
- Mas que diacho, lhe dissémos nós, não vê que aqui tudo é político, desde o chinelinho de liga até às cuias das senhoras, desde o feijão fradinho até ao chapéu de palha do Abel! e isto talvez devido à influência da instrumentação!
- Qual instrumentação nem meia instrumentação! O amigo é que parece que anda a instrumentalr tudo.
Ora já vêem V. Ex.a. que fui entalado nas minhas asserções e então virei-me a descortinar se aquilo seria influência das gentis damas ou de alguns sonhos dourados das ex.ma. sr. Dª Ana Gaspar ou D. Augusta Guedes.
Andávamos neste engano lêdo e cego que a fortuna não deixa durar muito quando soubémos enfim que a política...

12 de jan. de 2005

A FIGUEIRA DO ANO 2001

Um texto interessante para ser lido hoje, volvidos 70 anos. Publicado no Álbum Figueirense em 1935.



Pelo Dr. Alberto Bastos

Daqui a uns 65 anos é possível que o ALBUM FIGUEIRENSE, tornado então uma espécie bibliográfica rara, caia nas mãos de algum figueirense apaixonado pelas coisas da sua terra, do seu presente e do seu passado. .
Terá, decerto, êsse meu longínquo leitor, curiosidade em saber em que pensará um figueirense de agora, sôbre o que virá a ser a Figueira de então, ou que desejaria que ela fôsse.
Não pretendemos acertar 100% das nossas previsões: temos a certeza porém de que algumas delas sairão certas. E agora, curioso leitor, a quem eu em espírito saúdo, tem paciência e lê.
O progresso da Figueira dependerá de três factores principais: a praia, o pôrto e o caminho de ferro.
A praia depois de feitas mais algumas dúzias de projectos, terá emfim uma avenida até Buarcos; muitas das casas dos Palheiros terão sido deitadas a baixo e substituídas por outras de melhor aspecto.
De Buarcos até ao Cabo Mondego seguirá uma linda avenida com algumas residências estivais. O cemitério de Buarcos terá sido mudado para outro lado, e mais adiante, despedaçada a penedia que ali existe, haverá uma linda e sossegada praia, principalmente para crianças enfraquecidas. Na estrada que vai para o Farol Novo haverá também algumas casas residências de verão de pessoas ricas, e outras permanentes de pessoas necessitadas de descanso.
Com a viação eléctrica do Cabo Mondego até à Figueira, desenvolver-se-ão extraordinariamente as construções ao longo dêste trajecto. A construção junto ao molhe norte do Forte de Santa Catarina determinará o prolongamento da praia do nas-cente para o poente, e no extremo do molhe muito aumentado em largura construirá uma companhia estrangeira o ATLÂNTIDA PALACE, principesco hotel só para gente rica.
Da doca actual ficará apenas um pequeno abrigo para bar-cos de recreio e uma esplêndida piscina onde todos os anos haverá famosas desafios internacionais de natação, senda a Figueira a terra com os melhores nadadores nacionais. O pôrto da Figueira será um das melhores de Portugal, com uma intensa navegação, principalmente de pesca, que se estenderá até ao mar de Cabo Verde.
O caminho de ferro de Oeste, prolongar-se-á até à Gala, já então com uma grande população. Os combóios que agora param na estação da Figueira seguirão até ao Cabo Mondego, passando por Tavarede e Buarcos, que por tal motivo verão a sua população consideravelmente aumentada.
As casas para habitação far-se-ão seguida a estrada da Pinhal e em tôda a zona sobranceira ao mar. Nas Abadias, com raras habitações por o local ser para isso impróprio, haverá um lindo Parque, tenda ao cima uma piscina ao ar livre para crian-ças, um pequeno lago e um campo de jogas e um balneário.
A estátua de Fernandes Tomaz feita de nova e com uma concepção mais em harmonia com a psicologia da eminente figueirense, será erecta no futuro parque, assim como um novo monumento aos Mortos da Guerra, mais artística e bela.
A Praça Nova terá sido remodelada assim como a Velha, de onde há muita terão saída as horríveis placas que tanta a desfeiam agora.
A Figueira, que terá então perto de 60.000 habitantes, junta com Buarcos e com os bairros excêntricas de Tavarede e Gala, possuirá dois Liceus Centrais, uma Escola de Artes e Ofícios, um Pôsto Agrário, uma Biblioteca e o Museu Santos Rocha, ambos em casas próprias.
Das grandes homens locais de hoje, ninguém - sempre a mesma ingratidão - se lembrará já, e a maior parte das ruas terão mudado de nomes.
A Murraceira terá o maior e melhor aeroporto de Portugal com uma escala para aviação civil.
Do que acabamos de enunciar o que se terá realizado?
Que outras modificações para melhor ou para pior se terão produzido? Só tu o saberás leitor amigo, que talvez, quem sabe, a estas horas não tenhas ainda nascido.

Figueira da Foz, Janeiro de 1935.

9 de jan. de 2005

PEDRO FERNANDES TOMÁS E A BIBLIOTECA




Em 1908 uma comissão liderada por Pedro Fernandes Tomás ofereceu ao município (era presidente da Câmara Joaquim Jardim) os seus préstimos para organizar uma biblioteca a partir de alguns livros (783 volumes guardados no Museu que então se situava no Paço) que constituíam espólio da edilidade. Da comissão faziam parte também Francisco Martins Cardoso, António Carlos Borges, Alberto Diniz da Fonseca, Eloy do Amaral e Cardoso Martha.

A inauguração da biblioteca fez-se a 1 de Maio de 1910 num edifício situado na Praça Nova logo à entrada da rua dos Ferreiros.
Em Outubro do ano seguinte a novel biblioteca mudou para o edifício dos Paços do Concelho e em 1915 voltou a mudar de poiso desta vez para a rua 10 de Agosto onde permaneceu até 1927.
No ano seguinte o espaço dos livros voltou a ser transladado, desta feita para o 1º andar do edifício dos Bombeiros Municipais frente à igreja matriz.

Muitos se lembram ainda de a biblioteca ter funcionado na Praça Velha, no 1º andar da mercearia Tomás do Café. Isto desde 1953 até 30 de Agosto de 1974, quando ficou, finalmente, no edifício onde hoje a conhecemos.
Pedro Fernandes Tomás (1853-1927), conhecido por Mestre Pedro, foi professor da escola industrial. Era um bibliófilo apaixonado e foi colaborador da imprensa local; fundou e dirigiu a revista Figueira; foi musicólogo e pesquisador do folclore português (editou na imprensa da Universidade "Canções Portuguesas do Séc. XVIII à Actualidade) e um dos fundadores da Sociedade Arqueológica. Fundou a escola maçónica figueirense "Evolução". Cultivou amizade com Miguel de Unamuno com quem trocou correspondência.

JOSÉ DE SEABRA E SILVA E A QUINTA DO CANAL



José de Seabra e Silva (1732) fez o seu doutoramento em Direito em 1751 pela Universidade de Coimbra, sessão à qual assistiu o primeiro-ministro Sebastião José de Carvalho e Mello. Em 1771 chegou, depois de passar por outros cargos, a secretário de estado adjunto do Marquês de Pombal, o qual lhe doou a Quinta do Canal em 1769, edifício que tinha pertencido aos jesuítas e que foi confiscado à companhia após a sua expulsão do país.

Poucos anos depois, José de Seabra e Silva foi demitido, expulso da corte e degradado para Pedras Negras de Pungo Andongo, por ordem do rei D. José I.
Ao que se diz, José de Seabra comunicou à rainha um projecto de que só ele, o rei e o Marquês tinham conhecimento. Certo é que a rainha quando subiu ao trono deu perdão a José de Seabra, este voltou a Lisboa e chegou a ser Ministro de Estado dos Negócios do Reino (1788)

Em 1799 foi demitido pelo príncipe regente em virtude de ter opinado no sentido de serem ouvidas as cortes; regressou de novo à Quinta do Canal de onde não podia sair e só volvidos 5 anos o, já rei D. João VI, permitiu a sua ida para Lisboa.

Em 1807 foi convidado por Junot para ministro mas recusou e foi um dos organizadores da Sociedade Restauradora que se opunha ao domínio francês. Morreu em 1813.

Retirado de um texto de Pedro Fernandes Tomás, publicado na revista Figueira, nºs 1 e 2.

27 de dez. de 2004

A ILUMINAÇÃO A GÁS




Foi em Agosto de 1886 que a Thomas Nisham Kirkham de Londres solicitou à municipalidade a instalação da iluminação a gás. O contrato veio a ser celebrado em Dezembro e a Thomas Nisham transferiu a concessão obtida para a portuguesa Gas & Water Company Limited.

A fábrica destinada à produção do gás de iluminação veio a ser instalada na Carneira (á saída da cidade) e empregava em 1914 mais de 20 operários.

Em Junho de 1889 foi inaugurada a nova iluminação e em Outubro, sabe-se, havia já instalados 200 candeeiros. Terminava assim a iluminação a petróleo que se iniciara em 1870 com 38 candeeiros e que desapareceu por completo em 1906, não tendo passado de Buarcos e da zona da praia.

26 de dez. de 2004

MONDEGO, VIA FLUVIAL



Em 1868 tentou-se estabelecer uma carreira fluvial a vapor ligando a Figueira a Coimbra. A façanha voltou a ser tentada pelo cap. da marinha mercante Elísio Santos Fera, em 1872, pretendendo ligar a Figueira a Montemor e, no Inverno, a Coimbra. A pouca navegabilidade do rio e a sua dependência das marés nunca deixaram estes projectos chegar a bom porto.

A via fluvial era, no entanto, a utilizada para ligar as duas margens do Mondego. Havia uma linha que ligava o cabedelo ao cais da Figueira e que só desapareceu com a ponte e outra que ligava os Armazéns de Lavos ao mesmo cais, a qual utilizava o braço sul do rio e que era feita por dois barcos. Existiam ainda outras ligações fluviais como as que ligavam o Canal, a Barra e o Alqueidão à cidade. Do sul trazia-se vinho, leguminosas, batata, fruta, madeira e arroz.

O rio tinha permitido anteriormente a vinda até à foz, em barcos à vela, do produto dos vinhedos do Dão, das laranjas de Coimbra e dos tecidos da Covilhã, Mangualde e Guarda. Para o interior, os barcos levavam sardinha, bacalhau, sal, arroz e figos. Já com o século XX entrado ainda havia uma carreira que ligava Stº Varão à Figueira e que transportava entre cargas, os banhistas que acorriam à praia da Figueira.

O CABO MONDEGO



Os primeiros trabalhos na mina do Cabo Mondego começaram em 1773 por impulso do Marquês de pombal e sob a orientação de Domingos Vandelli e Guilherme Elsden, na altura mestres da Universidade de Coimbra.
Os resultados não se revelaram animadores até 1802 altura em que os trabalhos foram abandonados pois a mina inundava frequentemente.

Em 1802 é nomeado encarregado das minas José Bonifácio de Andrade e Silva, tendo este construído uma fábrica de tijolo e telha e um forno de cal e mandado cultivar o Prazo de Stº Amaro para sustento dos animais que auxiliavam os trabalhos.
Andrade e Silva parte para o Brasil em 1819 e a exploração mineira pára. Em 1825 o Estado cedeu a exploração a particulares em regime de arrendamento. Foi em 1825 que surgiu a quezília entre o Povo de Quiaios e a administração da mina resultante de uma petição feita por aquele ao rei D. João VI para a restituição dos terrenos do Prazo de Stª Marinha.

Durante 13 anos a mina esteve parada. Em 1838 Jacinto Dias Damásio, concessionário da Empresa Conde Farrobo, activou a Mina Mondego, a Mina Esperança e a Mina Farrobo. No entanto, em 1845, os trabalhos foram paralisados.

Em 1867 o Conde Farrobo cede os seus direitos a João Pereira Caldas contra o pagamento de 1 conto de reis a partir do quinto ano de exploração. Em 1870 foi criada a Empresa Minas de Carvão do Cabo Mondego. Em 1872 foi criado o caminho de ferro americano entre a mina e a Figueira. No ano seguinte foi criada a Companhia Mineira e Industrial do Cabo Mondego. Em 1874 esta companhia adquire um forno de cal existente no local onde é hoje a esplanada.

Foi esta companhia que deu o grande salto do complexo industrial do cabo Mondego explorando a Mina, uma fábrica de vidros (vidraça e garrafa preta), tijolaria (situada em Buarcos; os barreiros da fábrica ficavam onde é hoje o estádio municipal), cal e exploração do caminho de ferro.

20 de dez. de 2004

CORSÁRIOS EM MAUS LENÇÓIS




Em 30 de Maio de 1798, o iate Pancão que levava carvão de pedra da mina de Buarcos para os arsenais do exército e da marinha foi capturado por um corsário francês frente à Vieira.

Logo que se soube da captura o tenente da guarnição de Buarcos, José Correia Soares, meteu mãos à obra e reuniu os homens necessários para perseguir os corsários. Escolheu-se uma rasca de pesca tendo os homens da companha munido-se de espadas e espingardas. A eles se juntaram doze soldados e dois cabos de esquadra.

Rezam as crónicas que o iate foi encontrado a uma légua a norte de Buarcos e que depois de travada uma briga desesperada que durou um quarto de hora a bandeira portuguesa se sobrepôs à bandeira francesa.

A escuna pirata ainda tentou disparar sobre a rasca mas José Correia guinou-a para as pedras e ali se acoitou até ser noite, juntamente com o iate. A batalha provocou alguns feridos e mortos. Correia Soares foi promovido a Capitão e os marinheiros e soldados envolvidos foram gratificados pelo Príncipe regente.

13 de dez. de 2004

O INCÊNDIO DA SERRA




O alerta de que tinha deflagrado um incêndio no sopé setentrional da Serra da Boa Viagem foi dado cerca das 20h25 do dia 20 de Julho. A eclosão do incêndio deu-se no lugar de Barrocas, próximo da estrada de Quiaios-Praia de Quiaios. O solo possuia uma densa camada de manta morta, imprimindo grandes proporções ao incêndio logo no seu início. O desenvolvimento do incêndio continuou ao longo de toda a noite.


Na manhã do dia 21 havia duas frentes, uma de maior intensidade em direcção a leste, outra mais lenta em direcção à povoação da Murtinheira. Às 16h00 eclodiu nova frente desta vez no lugar de Monte Alto.
Na encosta norte, a falta de vigilância e os ventos fortes possibilitaram o reacendimento de vários focos. Às 21h00 já o fogo atingia grandes proporções.
Cerca das 12h00 do dia 22 o fogo já se encontrava muito próximo da Murtinheira.


A partir do momento em que o incêndio entrou na Serra tornou-se incontrolável, formando-se várias frentes em diferentes direcções.
O chalet de caça ardeu cerca das 18h30. Nos Vais uma frente limpou 7 casas. Pelas 21h30 o fogo aproximou-se da povoação da Serra.


O incêndio da serra foi um incêndio de copas, varrendo a maior parte da serra em apenas 3 a 4 horas, continuando a lavrar, nos dias seguintes pois só viria a ser dado como extinto às 12h00 do dia 24. Durante 71 horas e 35 minutos, decorridos entre os dias 20 a 24 de Julho de 1993, 1173,5 ha da floresta da Serra foram percorridos pelo fogo.


texto de Adélia Nunes(adapt)

3 de dez. de 2004

D. AFONSO HENRIQUES NA FIGUEIRA




Lê-se na Crónica de Cister de Frei Bernardo de Brito, livro VI do capítulo XXVIII, que estando D. Afonso Henriques em Coimbra “Tão carregado de triunfos como de más disposições” foi aconselhado pelos médicos a fazer um passeio ao longo do Mondego até á foz.

Diz então o cronista que, “a vista e alegre sitio dos campos e várzeas formosíssimas”, “as mais férteis e abundantes que há em todo o reino de Portugal e muitas partes fora dele”, “tiraram a el-Rei parte da melancolia que levava”. E continua Frei Bernardo que o Conquistador “chegou ao mar quase são”, tendo completado a sua cura “em recreação do rio e monte”.

2 de dez. de 2004

AS PRAIAS DO SUL





No final do terceiro quartel do século XVIII, o litoral ao sul da Figueira era uma terra árida de ninguém.

Com o advento das artes de arrastar para terra e com a adaptação a estas dos barcos em forma de meia lua, as costas do couto de Lavos, a poente das Regalheiras, fervilharam em arrais de intensa vida na pesca e industria da sardinha.

Diversas companhas foram formadas pelos lavoenses de melhores posses. Estes, no entanto, eram rurais e não tiveram outra hipótese senão a de contratar pescadores qualificados. Na impossibilidade de contratar pescadores de Buarcos que não queriam abandonar o abrigo da sua enseada por outros portos, os armadores de Lavos contrataram ilhavenses.

Assim, ainda no princípio do século passado trabalhavam muitos ilhavenses em companhas da Costa ou de Leirosa. Encontram-se por aí, ainda, muitos antropónimos ilhavenses como os Ribeiros, os Parrachos e os Cações e a maioria esmagadora da população de S. Pedro é de origem ilhavense.

Durante muito tempo as companhas acoitavam-se nas praias do sul em palhoças feitas de junco, só cerca dos anos 30 de 1800 se deu a fixação dos pescadores.

14 de nov. de 2004

A ARBORIZAÇÃO DA FIGUEIRA



Se o leitor fosse de fora da terra, e visitasse a vila da Figueira no verão do ano da graça de 1849, num dia de sol ardente, debalde procuraria um largo, ou praça pública, que lhe proporcionasse a sombra duma árvore amiga a protegê-lo dos raios abrasadores do astro-rei.

O que hoje é a avenida Saraiva de Carvalho, rua Fernandes Tomás e rua da República, formava, com o que ainda existe, o lindo e imponente estuário do Mondego daqueles tempos.

O actual passeio Infante D. Henrique ou Jardim Público, era então, e até não há muitos anos, uma doca natural em miniatura, mal servindo de abrigo às catraias dos pilotos da barra, de estaleiro e de conserto de bateis e pouco mais.

A Praça do Comércio e a Praça Nova apenas marcavam como centros onde convergia toda a actividade mercantil da época, e não se prestavam, por inestéticas e desprovidas de qualquer embelezamento, a servirem de salas de visitas da urbe, aos inúmeros forasteiros que das Beiras e doutros pontos do país aqui acudiam, movidos pelos seus negócios.

Havia só mais dois largos na vila – o Pátio de Stº António e o Adro da Igreja Matriz – mas ambos votados ao mais deplorável abandono!
Imagine-se que, proeminentes às ruas que os circundam, nenhum destes largos era murado, e que apenas umas sebes de silvados e piteiras, onde um ou outro morador vizinho, menos asseado, fazia despejo do, lixo, lhe amparavam o terreno impedindo-o de se desagregar.

Assim, o Pátio de Stº António não desdizia da cerca do Convento que lhe ficava contígua, e da qual se tinha alienado o cemitério que, ainda catorze anos depois de consagrado ao seu piedoso fim era frequentemente designado pelos bem significativos nomes de Cardal publico e Cardal da Ordem Terceira desta vila.

Do adro da Igreja matriz fala-nos a petição que a Junta da Paróquia de 1849 dirige à Câmara Municipal instando pela construção do muro que hoje lhe serve de suporte, a fim de pôr termo à escandalosa indecência em que o exterior do templo se encontrava, enxovalhado por toda a casta de imundícies.

(...)O muro fez-se, a final e o adro foi arborizado, seguindo-se lhe depois a praça do Comércio. (...) Em 1868 foi metade da cerca do hospital da Misericórdia plantada com eucaliptos formando-se a linda mata que o grande escritor Pinheiro Chagas, por ocasião da sua visita à Figueira em 1888 tanto enalteceu.

Em 1890, com o desaterro do terreno hoje ocupado pelo Mercado e algumas casas da rua Cândido dos Reis é aterrada a doca da Paria das Fonte, que se transforma no jardim municipal actual.

(...) Também digno de menção é o facto de na Mata da Misericórdia se terem plantado há uns sete anos, mais umas 5.497 árvores, por iniciativa do seu dedicado provedor Sr. Maurício Pinto (...).

João Coelho, in Álbum Figueirense, 1934

5 de nov. de 2004

A SOCIEDADE ARQUEOLÓGICA FIGUEIRENSE



A Sociedade Arqueológica Figueirense foi fundada em Fevereiro de 1898, mas a ideia da sua fundação terá surgido no espírito de Santos Rocha (NA FOTO) no ano anterior.

Os fundadores da Sociedade foram: António Duarte Silva, António Santos Rocha, Francisco Ferreira Loureiro, Pedro Fernandes Tomás, Augusto Goltz de Carvalho, José Maria Luiz de Almeida, António Gonçalves, Frederico Nogueira de Carvalho, José Pereira Jardim e Sotero de Oliveira.

A Sociedade visava, para além da prossecução de estudos arqueológicos, auxiliar o desenvolvimento do museu municipal. Na primeira sessão foram apresentadas e lidas várias comunicações: As arcainhas do Seixo e Sobreda, Mobiliário neolítico no vale inferior do Mondego, Primeiros vestígios da época do cobre nas cercanias da Figueira, Vestígios da época do bronze em Alvaiázere, Estação luso-romana do Bacellinho, Novos vestigíos romanos no vale inferior do Mondego, todas por Santos Rocha; Sinais gravados em pedras, por Goltz de Carvalho; Inscrições e emblemas existentes nos sinos das igrejas do concelho, por Pedro Fernandes Tomás; Um azulejo do século XVII, por Ferreira Loureiro e As moedas recolhidas nas sepulturas no sítio da igreja velha, no Negrote, por Duarte Silva.

Desta primeira sessão se pode aquilatar o valor da Sociedade, o qual ficou empobrecido com a morte de Santos Rocha em Março de 1910, numa altura em que a instituição se preparava para realizar a sua 15ª sessão.

30 de out. de 2004

DOIS TEATROS DA FIGUEIRA




O primeiro teatro que a Figueira da Foz conheceu foi o chamado Grémio Lusitano situado na Casa do Paço. Foi construído entre 1820 e 1823 e foi estreado com a tragédia “Nova Castro”. O teatro viria a ser vítima de um incêndio, em 1860, mas os camarotes e a plateia escaparam pelo que o Grémio continuou a sua actividade cultural.

Igual sorte teve o Teatro Príncipe D. Carlos inaugurado no Verão de 1874. Foi construído em terrenos conquistados ao rio, no local onde é hoje o passeio frente ao café Nau. A plateia deste teatro comportava 253 lugares, os camarotes 42 e as galerias 130. A julgar pelas descrições do exterior e interior do edifício tratava-se de uma excelente e bonita construção. O calcanhar de Aquiles do Teatro Príncipe era o seu palco com apenas 10 metros. Diz a descrição que o fundo do palco era ornamentado com um painel da autoria de Adolfo Loureiro que mostrava a vista exterior do teatro.

Na noite da inauguração, uma sala cheia assistiu ao drama “Opressão e Liberdade”, levado à cena por amadores do concelho. Diga-se que, nesta sala, o teatro de amadores tinha entrada embora no Verão pontificassem as companhias profissionais.
Nos últimos anos o Teatro albergou o Ginásio Clube Figueirense razão pela qual, há poucos anos, os ginasistas erigiram no local uma memória relativa ao edifício.

26 de out. de 2004

O ACTOR DIAS



António Dias Guilhermino nasceu em Maiorca em 1837 e iniciou-se no Teatro Boa União que existia onde está hoje a Universidade Internacional.

Conhecido como “Zé Canaia”, em virtude de ter interpretado uma cançoneta com este nome, aquele que ficaria conhecido como Actor Dias foi levado para o teatro profissional por Apolinário de Azevedo. De Lisboa foi para Coimbra – pretendia, na Lusa Atenas, formar-se em Farmácia, pois exerceu durante muitos anos a profissão de ajudante na farmácia do hospital - mas o êxito que tinha como actor impediram-no de fazer estudos.

Correu o país todo em digressão e conquistou o meio artístico do Rio de Janeiro onde trabalhou no circo. Trabalhou para o empresário Sousa Bastos onde alcançou assinalável êxito na peça “Reino das Mulheres” (1880).

Camilo Castelo Branco, que era seu admirador, adaptou propositadamente para o actor a comédia francesa “O Assassino de Macário” onde Dias desempenhava o papel de “Velho”.

Em 25 de Novembro de 1893 representando o papel de Agapito Solene na comédia “Solar de Barrigas”, António Dias Guilhermino caiu fulminado por uma congestão cerebral.

23 de out. de 2004

A GUERRA DAS FILARMÓNICAS



Dizem as fontes que corria uma “luminosa tarde de Abril” de 1881 e que o pátio de Stº António “regorgitava” com a procissão do enterro. O momento era solene também pela presença das autoridades, gente distinta e ilustre. Duas filarmónicas faziam a guarda de honra: a Dez de Agosto ( dos Regeneradores) e a Figueirense (dos Progressistas).

Vejamos o que nos diz o relato:
Mal a imagem semi-desnuda, de carnes maceradas, expõe à luz do dia o seu decúbito impressionante, seguida da Senhora das Dores, de expressão dramática e cabeleira desgrenhada, uma filarmónica avança. É a Dez de Agosto. A outra imita-a Ambas disputam o lugar de honra. E então é que foram elas! Esquecendo as circunstâncias e o local, os filarmónicos armados do instrumental, arremetem uns contra os outros. Engalfinham-se, enovelam-se, barafustam, agridem-se, esmurram-se, esbofam-se como possessos! Seus partidários, de parte a parte, em grande número, apressam-se a seguir-lhes o exemplo”.

O instrumental, diz o relato, converteu-se “em sucata”. Vítima da pancadaria saiu a imagem do senhor “com um braço partido”. E não houve procissão.

DAVID DE SOUSA, MÚSICO DISTINTO

A 3 de Outubro de 1918 morreu, com 38 anos, na Figueira da Foz, vítima de pneumónica, o maestro David de Sousa.

David de Sousa integrou um conjunto de grandes vultos da cultura figueirense, ao lado de António Santos Rocha, Goltz de Carvalho, Luiz Carrisso, Joaquim de Carvalho, João Reis e outros.

Começou a estudar música aos 9 anos tendo concluído o conservatório na capital aos 24 anos e, quatro anos depois, o conservatório de Leipzig. Viajou pela Rússia e pela Áustria (onde actuou) e deu o seu primeiro concerto na Figueira em 1913; Fixou-se em Lisboa e iniciou o seu trabalho de regente no Politeama.
Distinguiu-se como divulgador da música russa, ao tempo mal conhecida em Portugal. Foi, a partir de 1915, professor da Escola de Música de Lisboa.

26 de ago. de 2004

AS PONTES DA FIGUEIRA





“Proponho que se represente com urgência ao governo para que sejam imediata e oficialmente abertas ao público as pontes sobre o Mondego ou para que (pelo menos) seja facultado o trânsito de peões pelas mesmas pontes desde o dia 1º do próximo mês de janeiro”

Estas são palavras de José Francisco Vaz, vereador, proferidas na sessão de 12 de dezembro de 1906 da Câmara da Figueira da Foz.

Quando José Vaz falou na sessão camarária do dia 12 já as pontes estavam abertas aos peões que pagassem 20 reis ao arrematante da barca de passagem, uma sociedade constituída por Domingos Simões Calhau e José Ferreira Santos. Esta tinha contrato para fazer a passagem até ao final do ano de 1906, mas o povo, sabendo que as pontes estavam feitas, forçava a sua abertura.

“Os habitantes das freguesias do sul do concelho atribuem à Câmara o firme propósito de os privar da passagem pelas mesmas pontes”, disse também o vereador José Vaz, sem referir, contudo, que as populações, em protesto, tinham derrubado os sacos de areia que serviam de vedação.

As pontes, a do braço norte que só foi substituída pela “ponte da Figueira da Foz” aberta em 12 de Março de 1982, e a do braço sul que durou menos tempo e foi substituída pela “ponte dos arcos” em 1942, acabaram por ser abertas no dia 14, apenas para os peões.

No dia 22 de Dezembro veio a autorização superior “para também poderem também transitar pelas pontes sobre o Mondego veículos de qualquer espécie” pelo que a empresa de Viação Rippert “estabeleceu uma carreira extraordinária para Lavos” logo no dia seguinte. O mesmo fez o “conhecido Alquilador Achadiço” que pôs um carro a circular para sul “partindo da Praça Nova”.

As duas margens estavam agora mais perto.

Seguimos de perto o texto “As pontes do Mondego (Morraceira)”, da autoria do Cap. João P. Mano, inserto no seu livro “Lavos, Nove Séculos de História”. O Cap. João Pereira Mano é também autor da obra “Terras do Mar Salgado” e tem publicados centenas de textos avulso em periódicos, tudo resultado de décadas de investigação aturada em fontes directas. É, sem sombra de dúvida, o maior investigador figueirense vivo e o maior conhecedor da história marítima do concelho. Até hoje, nenhuma autoridade nem ninguém lhe prestou qualquer homenagem.

13 de ago. de 2004

A FORMAÇÃO DA PRAÇA VELHA ou PRAÇA da RIBEIRA



"O sítio da Praça do Comércio era já no século XVII um largo público denominado a Ribeira. Mas por este nome foram também designadas as praias do rio até às Lamas, onde hoje são as ruas do Príncipe Real e de M. Fernandes Tomás e a Avenida".

Assim se refere Santos Rocha àquela que é hoje a Praça Velha. O autor refere também que a esta se terá chamado Ribeira das Naus. O sítio das Lamas, que ali se menciona, era um dos subúrbios da Figueira que Santos Rocha presume ter ficado entre as Ruas Dez de Agosto e do Mato. Vale das Lamas era o baixo onde hoje se encontra a rua Dez de Agosto e que tinha ligação a Tavarede por um caminho que passava pela Lapa e seguia pela Várzea.

A Praça do Comércio, que foi aterrada em 1777, "foi a primeira praça que teve a povoação" O pelourinho data de 1782 e custou à Câmara 231$085 reis. No local onde é hoje o largo Luís de Camões (ao lado da Praça velha) existia uma praia do rio "banhada pelas marés regulares e chamava-se Praia da Ribeira". No dizer de Santos Rocha, que vimos seguindo, a Praça era invadida pelo rio, pelo que se construiu "um muro na boca desta".

Nesta altura a Rua da Oliveira, (que se chamava Rua que vai dar à Ribeira) já existia e as ruas que desaguavam na Praça designavam-se Ruas da Ribeira e Couraça da Ribeira

"No século XVIII a Praça da Ribeira estava já toda povoada. Diversos documentos referem-se claramente às casas do lado ocidental: algumas eram de sobrado e uma única de dois sobrados. Outros referem-se às casas do lado oriental onde todas eram de sobrado. A cadeia púbica, em 1749, estava situada por detrás de uma das casas deste lado, e tinha provavelmente a frontaria para a Rua do Forno".

Do norte da Praça subia o "velho caminho do meio que se dirigia para o adro de Stº António e caminho de Tavarede".

7 de ago. de 2004

MANUEL DIAS SOARES AUTOR DA "MARCHA DO VAPOR"




Manuel Dias Soares nasceu na Figueira da Foz em Novembro de 1867. Aprendeu música com Manuel Fernandes Mesquita, seu padrasto, e desenvolveu a sua arte com o espanhol Alzamora e depois com Augusto Symaria, regente da "Filarmónica Dez de Agosto".
Apresentou-se em público pela primeira vez em 1889. Em Fevereiro de 1890 tomou parte como violinista num concerto organizado por artistas do Teatro S. Carlos, altura em que terá composto a sua primeira obra "O Privado Sultão", uma opereta de um acto feita com Mendes Leal.
Foi regente da "Dez de Agosto" e colaborador da "Figueirense"; integrou a "Tuna Figueirense" e fundou a "Fanfarra" uma agremiação musical que contava com o concurso de músicos de várias colectividades. Foi, ainda, organizador e regente do "Grupo Musical Clara".
Em 1908, dirigiu a "Dez de Agosto" num concerto dado no convento da Batalha para o rei D. Carlos.
Um ano antes, Dias Soares assumira a direcção do "Rancho do Vapor". Foi aqui que o músico deu largas à sua veia popular e melódica. Daqui se destaca a Marcha do Vapor, hino da associação que compôs para letra de Pereira Correia e que é hoje o hino da Figueira da Foz.
Em 1915 Dias Soares conseguiu organizar uma orquestra sinfónica que fez a sua primeira audição numa das salas do Paço.
Faleceu a 7 de Agosto de 1938.

A cultura, que tem pelouro, homenageará Manuel Dias Soares? Não falta, no local onde esta a placa que homenageia os autores do hino, um busto do insígne músico? As crianças aprendem sobre ele?

TOPOGRAFIA DA FIGUEIRA NOS FINS DO SÉC. XVII



"Imagina, leitor, que no lugar da Praça nova existe uma praia do Mondego, que nas marés altas é banhada pelas águas até ao cimo, não ficando seco senão uma faixa pelos lados do oeste, norte e leste; que no sítio do largo Luís de Camões e em parte da Praça do Comércio (Praça Velha) está outra praia do rio, também completamente inundada pelas marés; e que no jardim público existe ainda outra praia, que tu conheceste com o seu velho e legítimo nome de Praia da Fonte, mas sem o viaduto, os muros de suporte e casaria que ali tens visto. Era nos dois promontoriozinhos que avançam para o sul, sobre o Mondego, um ao nascente, entre as duas primeiras praias, e outro ao poente, entre a segunda e a terceira, que nos fins do século XVII estava circunscrita a povoação que hoje vês tão ampla.
(…)
De comunicação externa existiam seis vias importantes: um caminho pelo local da Rua Fresca, dirigindo-se para a fonte do povoado, que existia e ainda existe no Largo da Fonte, e que daí seguia pelo Viso para Buarcos e Redondos; três caminhos pelos locais das modernas Ruas Formosa, da Bica e de Stº António, em frente do moderno hospital da Misericórdia, e ligavam com o caminho de Tavarede, que seguia para o norte pela moderna Rua do Sol; outro pelo sítio da Rua dos Ferreiros; outro que partia da praia, onde hoje se acha a Praça Nova, aí pela extremidade meridional do edifício onde são actualmente os Paços do Concelho, ia pelo local da Rua Direita do Monte até ao velho Casal das Lamas, e daí para Vila Verde e outras povoações.
(…)
Pelo lado ocidental do caminho que existia na Rua dos Ferreiros havia umas pedreiras em que se explorava o maciço calcário (…). Dali se extraía muito material para as construções do povoado.
Um ribeiro vinha desaguar ao cimo da praia onde se acha a Praça Nova.

Retirado da obra de Santos Rocha "Materiais para a História da Figueira nos Séculos XVII e XVIII"