"Viemos ao Natividade à rua da Sofia e tirámos bilhete para a Figueira. Imaginem os leitores seis sujeitos e duas senhoras apertadamente encaixilhados na caixa interior do carro e verão se não arriscavam de morrer asfixiados por um calor descomunal, imenso.
Pois apesar de partirmos à 1 da tarde, aquele calor do dia suavizou-se em o mais agradável cavaco, em a mais alegre convivência dos oito passageiros...
Ao sairmos de Coimbra foram instalados 14 passageiros na coberta do carro, o que dava a totalidade de 28 pernas penduradas à vontade, em todas as direcções do carro, como se fossem pingentes ou filigranas.
Não pudemos suportar então a liberdade daquelas pernas que vinham até nossas cabeças e no auge do nosso protesto, perguntámos ao vizinho defronte se aquilo era proibido.
- É, e tanto que meteram os passageiros fora de portas para a polícia não intervir.
- Mas intervenho eu, disse o companheiro António, tirando o seu bonet de seda e pasando a mão pela testa, toda cheia de globulos de suor, como diamantes ou como gotas de orvalho espreguiçadas nas folhas de uma couve ao sol brilhante de Abril.
- Não faça caso acudiu um respeitavel prior que ia também de viagem; atice-lhe quatro lambadas boas; e essas pernas se recolherão como corninhos de caracóis.
E assim foi.
Passámos ao Choupal, o poético e maravilhoso lugar tão cantado por poetas e prosadores(...). E assim chegámos a Lavariz, a estaçaõ da muda de cavalos.
Dali em diante iam em cima só 4 passageiros que se acomodaram melhor. Começou então o ataque às rabanadas e laranjas duma passageira da Figueira (...) os arrozais com as suas águas estagnadas, pareciam espelhos encaixilhados na terra - e o sol fotografava fortemente os seus raios naqueles caixilhos(...) A estrada muito alongada, muito direita, era abordada de choupos - perdendo-se lá ao fim entre a ramagem das árvores.
A frescura da vegetação e muitos grandes cactus que adornam a estrada dão-lhe um tom de perspectiva admirável.
Os balanços do carro tiravam-nos muitas vezes da respeitosa admiração em que íamos(...)
Chegamos à Figueira (Praça Nova, junto à rua das Flores) entre os raios dourados do sol que se ia escondendo e o oferecimento generoso de valentes mocetonas que estendiam os braços vermelhos, quase cor de lagosta, para nos levar as malas e até a nós, se caíssemos nessa doce condescêndencia.
Texto do Sr. Pist, já citado