*Um meninozinho, João Balãozinho, vinha vindo em seus passos travessos, de cumprir um recado na loja, satisfeito, consistido de trazer em cada sua mão, engarrafado, um litro de vinho. Que era mister, em assinadas ocasiões, ter de ir-se por essa malvasia, a comprá-la, tão sempre desexistida foi ela das terras gandaresas, que não a produzem, sáfaras de areia e vento, leiras magras de chorume para imprir-se um plantio de bacelo. Há que, portanto, na devida maré, e quando é o caso, prover ao devido em afazeres diversos como: ser o dia de cozer-se a broa, ou trazer gente de fora numa tardada, ou vir um alguém de visita, inesperado ou não, e ter de beber-se uma pinga. Que é, neste caso derradeiro, o que mandam as regras e usos de bem receber. Ah!, e a Gândara é hospitaleira.
Lá vinha vindo, pois, esse meninozinho com as duas garrafas bem aviadas, porque a mãe, no azo, já trazia o lume ao forno. O que, era, portanto. E havia de chegar um tal Maiorqueiro, ao cerrante da noite, fechar o negócio do boi de cobrição, que ficou de remissa da feira de Gatões. Eram dois os motivos por que, então e portanto. João Balãozinho vinha transportando essas duas garrafas, pejadas que nem, em cada sua mão, equilibrado no peso do corpo. Vem por carreiras e travessias de pinhais, o chão descarnado, e em cujos e quais pode muito bem dar-se uma topada. Porque há sempre uma raiz imprevista e treda, celerada, ou uma cova-falsa igualou tão mais.
(…)
Pois lá vinha vindo, cumpridor, esse meninozinho João Balãozinho; lá vem ele em suas alegrias ladinas, mas ainda no seu prazo, miúdos passos, ou conforme, porque há o parar e olhar, voou o garrancho do seu poiso, ou gaguejou a pega tagarela. E há que seguir o rumo e arte do peneireiro, ou escutar, atentivo, a trombeta do moquenco pontual, algures, rosnento e grosso, que é para distinguir: se é o burro do moleiro Zé Maluco, ou o das Quintaloas, ou a burra nova da tremoceira Maria Umbelina. Que vos parece?
(…)
João Balãozinho, que num ponto da sua viagem havia de cruzar-se com Manuel da, Fanata, o dos burros, o qual vai prendê-los nalguma resteva, ou num vaIado de silvas, ou num combro inventado para relvar-se. E era um casal, os cujos que iam levados à corda, o burro e a burra, que o meninozinho bem viu os escritos lá deles. Pois ficou-se parado a olhá-los, que lá iam indo, indo-se, subalternos e tão submissos, campassados. Aonde é que sítio ia o Fanata prendê-los?
Esse era um menino muito interrogativo, João (…)
(…)
Porém, quando. Estão a burra e o burro em seus cios transparecidos, tão assim, e nem as cordas não foi preciso esticá-las até finalmente; e já se davam em cheiraduras e mimos de beiços, espirravam estrondos, aluadões, a mostrarem os dentes todos que tinham. Espoldrinhavam a sua alegria, amorudos, desencabrestados, a resteva era o seu paraíso. Quem passasse havia de apreciar, quem é que não?, estes trafegos. E sobretudo, ah!, e sobretudo. Porque o burro tinha uma grande maçaneta a nascer-lhe na pele da barriga, ou era um unteiro, que crescia, e crescia;
(…)
E ouve-se o carro do Toino Quintaneiro, de regresso a casa, gemendo a falta dum untozinho nas garridas de cada coicão. O que é mais um sinal, outro, de estar a luz por um triz, com um pé no dia e o outro já dentro da noite.
Foi quando no interim e átomo do tempo, irremediável. Foi quando. O burro atirou as ambas patas para cima de quem estava a pedi-las, jogadas à bruta, escarranchado ao pino, gigante. Momento penetrante, oh! O chão estremeceu por todo ele, abalado inteiro, e a burra atreveu-se com todo o peso e poder do seu semelhante. A quanta brutidade e fragor!
E nunca não soube-se onde o meninozinho estava com os pés: se assentados no firme, estando espasmecido no meio do carreiro; ou se ele estava embarcado nalguma nuvem, transplantado, por outros mundos remotos. João Balãozinho estava com as mãos caídas dos braços, assombrado, e das cujas e quais, intactas e cheias, pendiam as garrafas de vinho. Tivesse-as ele posto no chão, ao alto, que ficavam resguardadas dos mil perigos à vista. Mas (…)
No meio do caminho, hem! Tinha uma pedra e topada, estardalhaço, o vinho e vidro em mil pedacinhos.
Lá vinha vindo, pois, esse meninozinho com as duas garrafas bem aviadas, porque a mãe, no azo, já trazia o lume ao forno. O que, era, portanto. E havia de chegar um tal Maiorqueiro, ao cerrante da noite, fechar o negócio do boi de cobrição, que ficou de remissa da feira de Gatões. Eram dois os motivos por que, então e portanto. João Balãozinho vinha transportando essas duas garrafas, pejadas que nem, em cada sua mão, equilibrado no peso do corpo. Vem por carreiras e travessias de pinhais, o chão descarnado, e em cujos e quais pode muito bem dar-se uma topada. Porque há sempre uma raiz imprevista e treda, celerada, ou uma cova-falsa igualou tão mais.
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Pois lá vinha vindo, cumpridor, esse meninozinho João Balãozinho; lá vem ele em suas alegrias ladinas, mas ainda no seu prazo, miúdos passos, ou conforme, porque há o parar e olhar, voou o garrancho do seu poiso, ou gaguejou a pega tagarela. E há que seguir o rumo e arte do peneireiro, ou escutar, atentivo, a trombeta do moquenco pontual, algures, rosnento e grosso, que é para distinguir: se é o burro do moleiro Zé Maluco, ou o das Quintaloas, ou a burra nova da tremoceira Maria Umbelina. Que vos parece?
(…)
João Balãozinho, que num ponto da sua viagem havia de cruzar-se com Manuel da, Fanata, o dos burros, o qual vai prendê-los nalguma resteva, ou num vaIado de silvas, ou num combro inventado para relvar-se. E era um casal, os cujos que iam levados à corda, o burro e a burra, que o meninozinho bem viu os escritos lá deles. Pois ficou-se parado a olhá-los, que lá iam indo, indo-se, subalternos e tão submissos, campassados. Aonde é que sítio ia o Fanata prendê-los?
Esse era um menino muito interrogativo, João (…)
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Porém, quando. Estão a burra e o burro em seus cios transparecidos, tão assim, e nem as cordas não foi preciso esticá-las até finalmente; e já se davam em cheiraduras e mimos de beiços, espirravam estrondos, aluadões, a mostrarem os dentes todos que tinham. Espoldrinhavam a sua alegria, amorudos, desencabrestados, a resteva era o seu paraíso. Quem passasse havia de apreciar, quem é que não?, estes trafegos. E sobretudo, ah!, e sobretudo. Porque o burro tinha uma grande maçaneta a nascer-lhe na pele da barriga, ou era um unteiro, que crescia, e crescia;
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E ouve-se o carro do Toino Quintaneiro, de regresso a casa, gemendo a falta dum untozinho nas garridas de cada coicão. O que é mais um sinal, outro, de estar a luz por um triz, com um pé no dia e o outro já dentro da noite.
Foi quando no interim e átomo do tempo, irremediável. Foi quando. O burro atirou as ambas patas para cima de quem estava a pedi-las, jogadas à bruta, escarranchado ao pino, gigante. Momento penetrante, oh! O chão estremeceu por todo ele, abalado inteiro, e a burra atreveu-se com todo o peso e poder do seu semelhante. A quanta brutidade e fragor!
E nunca não soube-se onde o meninozinho estava com os pés: se assentados no firme, estando espasmecido no meio do carreiro; ou se ele estava embarcado nalguma nuvem, transplantado, por outros mundos remotos. João Balãozinho estava com as mãos caídas dos braços, assombrado, e das cujas e quais, intactas e cheias, pendiam as garrafas de vinho. Tivesse-as ele posto no chão, ao alto, que ficavam resguardadas dos mil perigos à vista. Mas (…)
No meio do caminho, hem! Tinha uma pedra e topada, estardalhaço, o vinho e vidro em mil pedacinhos.
* Idalécio Cação, Os pés e as mãos, ret. de O Chão e a Voz, ed. Escritor, 1998