30 de jan. de 2005

A DILIGÊNCIA DE COIMBRA À FIGUEIRA



"Viemos ao Natividade à rua da Sofia e tirámos bilhete para a Figueira. Imaginem os leitores seis sujeitos e duas senhoras apertadamente encaixilhados na caixa interior do carro e verão se não arriscavam de morrer asfixiados por um calor descomunal, imenso.
Pois apesar de partirmos à 1 da tarde, aquele calor do dia suavizou-se em o mais agradável cavaco, em a mais alegre convivência dos oito passageiros...

Ao sairmos de Coimbra foram instalados 14 passageiros na coberta do carro, o que dava a totalidade de 28 pernas penduradas à vontade, em todas as direcções do carro, como se fossem pingentes ou filigranas.
Não pudemos suportar então a liberdade daquelas pernas que vinham até nossas cabeças e no auge do nosso protesto, perguntámos ao vizinho defronte se aquilo era proibido.
- É, e tanto que meteram os passageiros fora de portas para a polícia não intervir.
- Mas intervenho eu, disse o companheiro António, tirando o seu bonet de seda e pasando a mão pela testa, toda cheia de globulos de suor, como diamantes ou como gotas de orvalho espreguiçadas nas folhas de uma couve ao sol brilhante de Abril.
- Não faça caso acudiu um respeitavel prior que ia também de viagem; atice-lhe quatro lambadas boas; e essas pernas se recolherão como corninhos de caracóis.
E assim foi.

Passámos ao Choupal, o poético e maravilhoso lugar tão cantado por poetas e prosadores(...). E assim chegámos a Lavariz, a estaçaõ da muda de cavalos.
Dali em diante iam em cima só 4 passageiros que se acomodaram melhor. Começou então o ataque às rabanadas e laranjas duma passageira da Figueira (...) os arrozais com as suas águas estagnadas, pareciam espelhos encaixilhados na terra - e o sol fotografava fortemente os seus raios naqueles caixilhos(...) A estrada muito alongada, muito direita, era abordada de choupos - perdendo-se lá ao fim entre a ramagem das árvores.
A frescura da vegetação e muitos grandes cactus que adornam a estrada dão-lhe um tom de perspectiva admirável.
Os balanços do carro tiravam-nos muitas vezes da respeitosa admiração em que íamos(...)

Chegamos à Figueira (Praça Nova, junto à rua das Flores) entre os raios dourados do sol que se ia escondendo e o oferecimento generoso de valentes mocetonas que estendiam os braços vermelhos, quase cor de lagosta, para nos levar as malas e até a nós, se caíssemos nessa doce condescêndencia.

Texto do Sr. Pist, já citado

23 de jan. de 2005

O BAIRRO NOVO E A COMPANHIA EDIFICADORA



A Companhia Edificadora Figueirense foi fundada em 1868 com o objectivo de "promover diversos melhoramentos materiais na Figueira, e com a especialidade de dar desenvolvimento à formação do novo bairro de Santa Catarina, já principiado na parte ocidental da vida, e contíguo à praia de banhos, construindo casas de habitação e outros edifícios e comodidades para os banhistas e moradores no referido bairro".

Na fundação da Companhia estavam o Eng. Francisco Maria Pereira da Silva (de Lisboa, mas a residir na Figueira, o primeiro a construir uma moradia no Bairro Novo), António Ricardo da Graça e Augusto César dos Santos, de Lisboa, Dr. Francisco António Dinis e José Jacinto da Silva, ambos de Coimbra, Dr. António Lopes Guimarães, Bernardino Teixeira Ferraz, João Fernandes Gaspar, Bacharel Lucas Fernandes das Neves e António Ferreira de Oliveira, da Figueira.

Nos seus estatutos a Companhia propunha-se construir "habitações adequadas para banhistas, com mais ou menos acomodações – tipos para habitação de artistas, homens de mar e operários – tipo para cocheiras e cavalariças; um edifício com quartos independentes para hóspedes, e com amplas salas, ou recintos dispostos para refeições, bebidas, jogos permitidos e concertos de música; um albergue para as classes menos abastadas, um mercado e casas; um estabelecimento para banhos frios e quentes".

Em 2 de Abril de 1869 o presidente da Câmara, Dr. José Joaquim Borges, colocou a primeira pedra duma casa na cerimónia que marcou a construção do Bairro Novo. Era um edifício construído no local onde veio a ser o Hotel Portugal, hoje edifício do Health Club.

O Bairro Novo veio tirar protagonismo às praças na vida social da Figueira. Os cafés e estabelecimentos das praças mudaram para a alta e a colina, que se impunha ao mar, deixou de estar deserta. A construção do Bairro Novo iria permitir a abertura duma nova frente citadina, a frente de mar, e condicionar o crescimento da cidade no século XX.

16 de jan. de 2005

FIGUEIRA VISTA POR DENTRO E POR FORA



Excerto de uma reportagem publicada na Gazeta Ilustrada “O ATHENEU” do Porto em 1881(último ano da Figueira enquanto vila) assinada pelo Sr. Pist. o autor faz ironia com a divisão maniqueísta entre Progressistas e Regeneradores.

No dia seguinte ao da nossa chegada fomos logo de manhã cedo ver o Bairro Novo, o bairro aristocrático, que parece caminhar para Buarcos, assim a modos de quem quer abraçar.
Na verdade é um bairro selecto, uma pequenina miniatura desse grande bairro madrileno, chamado o bairro Salamanca.
O Bairro Novo está construído logo após o Forte de Santa Catarina, cortado de ruas largas e asseadas, e semeado de casas de uma elegância irrepreensível - próprias para gozar.
Dali viemos à praça, onde um mulherio, num zum-zum enorme, vendia peixe seco, fresco, salgado, etc., e ao mercado onde as regateiras se aninhavam ao pé das suas canastras de frutas, legumes, pão, flores, etc.
Tudo na verdade, muito asseado, muito limpo.
No meado do século passado a Figueira era uma aldeiazinha muito bonita, mas sem a importância que hoje tem. Apenas trezentos habitantes viviam ali do fruto dos banhos e da pesca.
A Figueira é uma vila essencialmente moderna, chic - apesar do fundador da monarquia portuguesa, que não era progressista como a srª D. Guilhermina, nem regenerador como o sr. Guilherme da Cunha, ter tido a honra de ir lavar os seus ossos e as suas reais carnes nestas praias ocidentais e douradas.
Ora o fundador - era nada mais, nada menos - que o sr. D. Afonso Henriques, que aí foi por conselhos dos médicos, conforme afirma frei Bernardo de Brito, nas suas Chronicas.
Estamos certos que então a Figueira não era política por dentro nem por fora, - nem o sr. Constantino Sousa, nem o sr. Costa e Silva, nem mesmo o sr. Carlos Guia -guiavam os seus amigos políticos - e outro tanto faziam os srs. Nestório, dr. Borges, João Pedro, Augusto Silvério e Contente Ribeiro, que só se contentam em apoiar os seus.
E estamos de acordo que nesse tempo a carne de vaca era toda regeneradora, e o pão, azeite, o vinagre - pois entravam só no alimento regenerador das pessoas, sem entrar nos domínios avançados da política.
Imagine-se o desconcerto que há-de ser num sapateiro que se vê obrigado a empregar fio republicano no calçado dos seus constituintes! porque, como já temos querido fazer-nos compreender na Figueira há só dois grandes partidos - o progressista e o regenerador.
Perguntamos a uma dama gentil daqui qual o motivo de tanta rixa e a razão de ser daqueles aferrados partidos na Figueira.
- Ignoro, disse ela. Só sei que quem não for da música progressista é regenerador, e quem não for da regeneradora é progressista.
Pareceu-me que a política vinha então dos saxtrompas e dos trombones, mas houve alguém que disse que era um perfeito engano nosso aquela inocentíssima persuasão.
- Mas que diacho, lhe dissémos nós, não vê que aqui tudo é político, desde o chinelinho de liga até às cuias das senhoras, desde o feijão fradinho até ao chapéu de palha do Abel! e isto talvez devido à influência da instrumentação!
- Qual instrumentação nem meia instrumentação! O amigo é que parece que anda a instrumentalr tudo.
Ora já vêem V. Ex.a. que fui entalado nas minhas asserções e então virei-me a descortinar se aquilo seria influência das gentis damas ou de alguns sonhos dourados das ex.ma. sr. Dª Ana Gaspar ou D. Augusta Guedes.
Andávamos neste engano lêdo e cego que a fortuna não deixa durar muito quando soubémos enfim que a política...

12 de jan. de 2005

A FIGUEIRA DO ANO 2001

Um texto interessante para ser lido hoje, volvidos 70 anos. Publicado no Álbum Figueirense em 1935.



Pelo Dr. Alberto Bastos

Daqui a uns 65 anos é possível que o ALBUM FIGUEIRENSE, tornado então uma espécie bibliográfica rara, caia nas mãos de algum figueirense apaixonado pelas coisas da sua terra, do seu presente e do seu passado. .
Terá, decerto, êsse meu longínquo leitor, curiosidade em saber em que pensará um figueirense de agora, sôbre o que virá a ser a Figueira de então, ou que desejaria que ela fôsse.
Não pretendemos acertar 100% das nossas previsões: temos a certeza porém de que algumas delas sairão certas. E agora, curioso leitor, a quem eu em espírito saúdo, tem paciência e lê.
O progresso da Figueira dependerá de três factores principais: a praia, o pôrto e o caminho de ferro.
A praia depois de feitas mais algumas dúzias de projectos, terá emfim uma avenida até Buarcos; muitas das casas dos Palheiros terão sido deitadas a baixo e substituídas por outras de melhor aspecto.
De Buarcos até ao Cabo Mondego seguirá uma linda avenida com algumas residências estivais. O cemitério de Buarcos terá sido mudado para outro lado, e mais adiante, despedaçada a penedia que ali existe, haverá uma linda e sossegada praia, principalmente para crianças enfraquecidas. Na estrada que vai para o Farol Novo haverá também algumas casas residências de verão de pessoas ricas, e outras permanentes de pessoas necessitadas de descanso.
Com a viação eléctrica do Cabo Mondego até à Figueira, desenvolver-se-ão extraordinariamente as construções ao longo dêste trajecto. A construção junto ao molhe norte do Forte de Santa Catarina determinará o prolongamento da praia do nas-cente para o poente, e no extremo do molhe muito aumentado em largura construirá uma companhia estrangeira o ATLÂNTIDA PALACE, principesco hotel só para gente rica.
Da doca actual ficará apenas um pequeno abrigo para bar-cos de recreio e uma esplêndida piscina onde todos os anos haverá famosas desafios internacionais de natação, senda a Figueira a terra com os melhores nadadores nacionais. O pôrto da Figueira será um das melhores de Portugal, com uma intensa navegação, principalmente de pesca, que se estenderá até ao mar de Cabo Verde.
O caminho de ferro de Oeste, prolongar-se-á até à Gala, já então com uma grande população. Os combóios que agora param na estação da Figueira seguirão até ao Cabo Mondego, passando por Tavarede e Buarcos, que por tal motivo verão a sua população consideravelmente aumentada.
As casas para habitação far-se-ão seguida a estrada da Pinhal e em tôda a zona sobranceira ao mar. Nas Abadias, com raras habitações por o local ser para isso impróprio, haverá um lindo Parque, tenda ao cima uma piscina ao ar livre para crian-ças, um pequeno lago e um campo de jogas e um balneário.
A estátua de Fernandes Tomaz feita de nova e com uma concepção mais em harmonia com a psicologia da eminente figueirense, será erecta no futuro parque, assim como um novo monumento aos Mortos da Guerra, mais artística e bela.
A Praça Nova terá sido remodelada assim como a Velha, de onde há muita terão saída as horríveis placas que tanta a desfeiam agora.
A Figueira, que terá então perto de 60.000 habitantes, junta com Buarcos e com os bairros excêntricas de Tavarede e Gala, possuirá dois Liceus Centrais, uma Escola de Artes e Ofícios, um Pôsto Agrário, uma Biblioteca e o Museu Santos Rocha, ambos em casas próprias.
Das grandes homens locais de hoje, ninguém - sempre a mesma ingratidão - se lembrará já, e a maior parte das ruas terão mudado de nomes.
A Murraceira terá o maior e melhor aeroporto de Portugal com uma escala para aviação civil.
Do que acabamos de enunciar o que se terá realizado?
Que outras modificações para melhor ou para pior se terão produzido? Só tu o saberás leitor amigo, que talvez, quem sabe, a estas horas não tenhas ainda nascido.

Figueira da Foz, Janeiro de 1935.

9 de jan. de 2005

PEDRO FERNANDES TOMÁS E A BIBLIOTECA




Em 1908 uma comissão liderada por Pedro Fernandes Tomás ofereceu ao município (era presidente da Câmara Joaquim Jardim) os seus préstimos para organizar uma biblioteca a partir de alguns livros (783 volumes guardados no Museu que então se situava no Paço) que constituíam espólio da edilidade. Da comissão faziam parte também Francisco Martins Cardoso, António Carlos Borges, Alberto Diniz da Fonseca, Eloy do Amaral e Cardoso Martha.

A inauguração da biblioteca fez-se a 1 de Maio de 1910 num edifício situado na Praça Nova logo à entrada da rua dos Ferreiros.
Em Outubro do ano seguinte a novel biblioteca mudou para o edifício dos Paços do Concelho e em 1915 voltou a mudar de poiso desta vez para a rua 10 de Agosto onde permaneceu até 1927.
No ano seguinte o espaço dos livros voltou a ser transladado, desta feita para o 1º andar do edifício dos Bombeiros Municipais frente à igreja matriz.

Muitos se lembram ainda de a biblioteca ter funcionado na Praça Velha, no 1º andar da mercearia Tomás do Café. Isto desde 1953 até 30 de Agosto de 1974, quando ficou, finalmente, no edifício onde hoje a conhecemos.
Pedro Fernandes Tomás (1853-1927), conhecido por Mestre Pedro, foi professor da escola industrial. Era um bibliófilo apaixonado e foi colaborador da imprensa local; fundou e dirigiu a revista Figueira; foi musicólogo e pesquisador do folclore português (editou na imprensa da Universidade "Canções Portuguesas do Séc. XVIII à Actualidade) e um dos fundadores da Sociedade Arqueológica. Fundou a escola maçónica figueirense "Evolução". Cultivou amizade com Miguel de Unamuno com quem trocou correspondência.

JOSÉ DE SEABRA E SILVA E A QUINTA DO CANAL



José de Seabra e Silva (1732) fez o seu doutoramento em Direito em 1751 pela Universidade de Coimbra, sessão à qual assistiu o primeiro-ministro Sebastião José de Carvalho e Mello. Em 1771 chegou, depois de passar por outros cargos, a secretário de estado adjunto do Marquês de Pombal, o qual lhe doou a Quinta do Canal em 1769, edifício que tinha pertencido aos jesuítas e que foi confiscado à companhia após a sua expulsão do país.

Poucos anos depois, José de Seabra e Silva foi demitido, expulso da corte e degradado para Pedras Negras de Pungo Andongo, por ordem do rei D. José I.
Ao que se diz, José de Seabra comunicou à rainha um projecto de que só ele, o rei e o Marquês tinham conhecimento. Certo é que a rainha quando subiu ao trono deu perdão a José de Seabra, este voltou a Lisboa e chegou a ser Ministro de Estado dos Negócios do Reino (1788)

Em 1799 foi demitido pelo príncipe regente em virtude de ter opinado no sentido de serem ouvidas as cortes; regressou de novo à Quinta do Canal de onde não podia sair e só volvidos 5 anos o, já rei D. João VI, permitiu a sua ida para Lisboa.

Em 1807 foi convidado por Junot para ministro mas recusou e foi um dos organizadores da Sociedade Restauradora que se opunha ao domínio francês. Morreu em 1813.

Retirado de um texto de Pedro Fernandes Tomás, publicado na revista Figueira, nºs 1 e 2.