14 de nov. de 2004

A ARBORIZAÇÃO DA FIGUEIRA



Se o leitor fosse de fora da terra, e visitasse a vila da Figueira no verão do ano da graça de 1849, num dia de sol ardente, debalde procuraria um largo, ou praça pública, que lhe proporcionasse a sombra duma árvore amiga a protegê-lo dos raios abrasadores do astro-rei.

O que hoje é a avenida Saraiva de Carvalho, rua Fernandes Tomás e rua da República, formava, com o que ainda existe, o lindo e imponente estuário do Mondego daqueles tempos.

O actual passeio Infante D. Henrique ou Jardim Público, era então, e até não há muitos anos, uma doca natural em miniatura, mal servindo de abrigo às catraias dos pilotos da barra, de estaleiro e de conserto de bateis e pouco mais.

A Praça do Comércio e a Praça Nova apenas marcavam como centros onde convergia toda a actividade mercantil da época, e não se prestavam, por inestéticas e desprovidas de qualquer embelezamento, a servirem de salas de visitas da urbe, aos inúmeros forasteiros que das Beiras e doutros pontos do país aqui acudiam, movidos pelos seus negócios.

Havia só mais dois largos na vila – o Pátio de Stº António e o Adro da Igreja Matriz – mas ambos votados ao mais deplorável abandono!
Imagine-se que, proeminentes às ruas que os circundam, nenhum destes largos era murado, e que apenas umas sebes de silvados e piteiras, onde um ou outro morador vizinho, menos asseado, fazia despejo do, lixo, lhe amparavam o terreno impedindo-o de se desagregar.

Assim, o Pátio de Stº António não desdizia da cerca do Convento que lhe ficava contígua, e da qual se tinha alienado o cemitério que, ainda catorze anos depois de consagrado ao seu piedoso fim era frequentemente designado pelos bem significativos nomes de Cardal publico e Cardal da Ordem Terceira desta vila.

Do adro da Igreja matriz fala-nos a petição que a Junta da Paróquia de 1849 dirige à Câmara Municipal instando pela construção do muro que hoje lhe serve de suporte, a fim de pôr termo à escandalosa indecência em que o exterior do templo se encontrava, enxovalhado por toda a casta de imundícies.

(...)O muro fez-se, a final e o adro foi arborizado, seguindo-se lhe depois a praça do Comércio. (...) Em 1868 foi metade da cerca do hospital da Misericórdia plantada com eucaliptos formando-se a linda mata que o grande escritor Pinheiro Chagas, por ocasião da sua visita à Figueira em 1888 tanto enalteceu.

Em 1890, com o desaterro do terreno hoje ocupado pelo Mercado e algumas casas da rua Cândido dos Reis é aterrada a doca da Paria das Fonte, que se transforma no jardim municipal actual.

(...) Também digno de menção é o facto de na Mata da Misericórdia se terem plantado há uns sete anos, mais umas 5.497 árvores, por iniciativa do seu dedicado provedor Sr. Maurício Pinto (...).

João Coelho, in Álbum Figueirense, 1934

5 de nov. de 2004

A SOCIEDADE ARQUEOLÓGICA FIGUEIRENSE



A Sociedade Arqueológica Figueirense foi fundada em Fevereiro de 1898, mas a ideia da sua fundação terá surgido no espírito de Santos Rocha (NA FOTO) no ano anterior.

Os fundadores da Sociedade foram: António Duarte Silva, António Santos Rocha, Francisco Ferreira Loureiro, Pedro Fernandes Tomás, Augusto Goltz de Carvalho, José Maria Luiz de Almeida, António Gonçalves, Frederico Nogueira de Carvalho, José Pereira Jardim e Sotero de Oliveira.

A Sociedade visava, para além da prossecução de estudos arqueológicos, auxiliar o desenvolvimento do museu municipal. Na primeira sessão foram apresentadas e lidas várias comunicações: As arcainhas do Seixo e Sobreda, Mobiliário neolítico no vale inferior do Mondego, Primeiros vestígios da época do cobre nas cercanias da Figueira, Vestígios da época do bronze em Alvaiázere, Estação luso-romana do Bacellinho, Novos vestigíos romanos no vale inferior do Mondego, todas por Santos Rocha; Sinais gravados em pedras, por Goltz de Carvalho; Inscrições e emblemas existentes nos sinos das igrejas do concelho, por Pedro Fernandes Tomás; Um azulejo do século XVII, por Ferreira Loureiro e As moedas recolhidas nas sepulturas no sítio da igreja velha, no Negrote, por Duarte Silva.

Desta primeira sessão se pode aquilatar o valor da Sociedade, o qual ficou empobrecido com a morte de Santos Rocha em Março de 1910, numa altura em que a instituição se preparava para realizar a sua 15ª sessão.

30 de out. de 2004

DOIS TEATROS DA FIGUEIRA




O primeiro teatro que a Figueira da Foz conheceu foi o chamado Grémio Lusitano situado na Casa do Paço. Foi construído entre 1820 e 1823 e foi estreado com a tragédia “Nova Castro”. O teatro viria a ser vítima de um incêndio, em 1860, mas os camarotes e a plateia escaparam pelo que o Grémio continuou a sua actividade cultural.

Igual sorte teve o Teatro Príncipe D. Carlos inaugurado no Verão de 1874. Foi construído em terrenos conquistados ao rio, no local onde é hoje o passeio frente ao café Nau. A plateia deste teatro comportava 253 lugares, os camarotes 42 e as galerias 130. A julgar pelas descrições do exterior e interior do edifício tratava-se de uma excelente e bonita construção. O calcanhar de Aquiles do Teatro Príncipe era o seu palco com apenas 10 metros. Diz a descrição que o fundo do palco era ornamentado com um painel da autoria de Adolfo Loureiro que mostrava a vista exterior do teatro.

Na noite da inauguração, uma sala cheia assistiu ao drama “Opressão e Liberdade”, levado à cena por amadores do concelho. Diga-se que, nesta sala, o teatro de amadores tinha entrada embora no Verão pontificassem as companhias profissionais.
Nos últimos anos o Teatro albergou o Ginásio Clube Figueirense razão pela qual, há poucos anos, os ginasistas erigiram no local uma memória relativa ao edifício.

26 de out. de 2004

O ACTOR DIAS



António Dias Guilhermino nasceu em Maiorca em 1837 e iniciou-se no Teatro Boa União que existia onde está hoje a Universidade Internacional.

Conhecido como “Zé Canaia”, em virtude de ter interpretado uma cançoneta com este nome, aquele que ficaria conhecido como Actor Dias foi levado para o teatro profissional por Apolinário de Azevedo. De Lisboa foi para Coimbra – pretendia, na Lusa Atenas, formar-se em Farmácia, pois exerceu durante muitos anos a profissão de ajudante na farmácia do hospital - mas o êxito que tinha como actor impediram-no de fazer estudos.

Correu o país todo em digressão e conquistou o meio artístico do Rio de Janeiro onde trabalhou no circo. Trabalhou para o empresário Sousa Bastos onde alcançou assinalável êxito na peça “Reino das Mulheres” (1880).

Camilo Castelo Branco, que era seu admirador, adaptou propositadamente para o actor a comédia francesa “O Assassino de Macário” onde Dias desempenhava o papel de “Velho”.

Em 25 de Novembro de 1893 representando o papel de Agapito Solene na comédia “Solar de Barrigas”, António Dias Guilhermino caiu fulminado por uma congestão cerebral.

23 de out. de 2004

A GUERRA DAS FILARMÓNICAS



Dizem as fontes que corria uma “luminosa tarde de Abril” de 1881 e que o pátio de Stº António “regorgitava” com a procissão do enterro. O momento era solene também pela presença das autoridades, gente distinta e ilustre. Duas filarmónicas faziam a guarda de honra: a Dez de Agosto ( dos Regeneradores) e a Figueirense (dos Progressistas).

Vejamos o que nos diz o relato:
Mal a imagem semi-desnuda, de carnes maceradas, expõe à luz do dia o seu decúbito impressionante, seguida da Senhora das Dores, de expressão dramática e cabeleira desgrenhada, uma filarmónica avança. É a Dez de Agosto. A outra imita-a Ambas disputam o lugar de honra. E então é que foram elas! Esquecendo as circunstâncias e o local, os filarmónicos armados do instrumental, arremetem uns contra os outros. Engalfinham-se, enovelam-se, barafustam, agridem-se, esmurram-se, esbofam-se como possessos! Seus partidários, de parte a parte, em grande número, apressam-se a seguir-lhes o exemplo”.

O instrumental, diz o relato, converteu-se “em sucata”. Vítima da pancadaria saiu a imagem do senhor “com um braço partido”. E não houve procissão.

DAVID DE SOUSA, MÚSICO DISTINTO

A 3 de Outubro de 1918 morreu, com 38 anos, na Figueira da Foz, vítima de pneumónica, o maestro David de Sousa.

David de Sousa integrou um conjunto de grandes vultos da cultura figueirense, ao lado de António Santos Rocha, Goltz de Carvalho, Luiz Carrisso, Joaquim de Carvalho, João Reis e outros.

Começou a estudar música aos 9 anos tendo concluído o conservatório na capital aos 24 anos e, quatro anos depois, o conservatório de Leipzig. Viajou pela Rússia e pela Áustria (onde actuou) e deu o seu primeiro concerto na Figueira em 1913; Fixou-se em Lisboa e iniciou o seu trabalho de regente no Politeama.
Distinguiu-se como divulgador da música russa, ao tempo mal conhecida em Portugal. Foi, a partir de 1915, professor da Escola de Música de Lisboa.

26 de ago. de 2004

AS PONTES DA FIGUEIRA





“Proponho que se represente com urgência ao governo para que sejam imediata e oficialmente abertas ao público as pontes sobre o Mondego ou para que (pelo menos) seja facultado o trânsito de peões pelas mesmas pontes desde o dia 1º do próximo mês de janeiro”

Estas são palavras de José Francisco Vaz, vereador, proferidas na sessão de 12 de dezembro de 1906 da Câmara da Figueira da Foz.

Quando José Vaz falou na sessão camarária do dia 12 já as pontes estavam abertas aos peões que pagassem 20 reis ao arrematante da barca de passagem, uma sociedade constituída por Domingos Simões Calhau e José Ferreira Santos. Esta tinha contrato para fazer a passagem até ao final do ano de 1906, mas o povo, sabendo que as pontes estavam feitas, forçava a sua abertura.

“Os habitantes das freguesias do sul do concelho atribuem à Câmara o firme propósito de os privar da passagem pelas mesmas pontes”, disse também o vereador José Vaz, sem referir, contudo, que as populações, em protesto, tinham derrubado os sacos de areia que serviam de vedação.

As pontes, a do braço norte que só foi substituída pela “ponte da Figueira da Foz” aberta em 12 de Março de 1982, e a do braço sul que durou menos tempo e foi substituída pela “ponte dos arcos” em 1942, acabaram por ser abertas no dia 14, apenas para os peões.

No dia 22 de Dezembro veio a autorização superior “para também poderem também transitar pelas pontes sobre o Mondego veículos de qualquer espécie” pelo que a empresa de Viação Rippert “estabeleceu uma carreira extraordinária para Lavos” logo no dia seguinte. O mesmo fez o “conhecido Alquilador Achadiço” que pôs um carro a circular para sul “partindo da Praça Nova”.

As duas margens estavam agora mais perto.

Seguimos de perto o texto “As pontes do Mondego (Morraceira)”, da autoria do Cap. João P. Mano, inserto no seu livro “Lavos, Nove Séculos de História”. O Cap. João Pereira Mano é também autor da obra “Terras do Mar Salgado” e tem publicados centenas de textos avulso em periódicos, tudo resultado de décadas de investigação aturada em fontes directas. É, sem sombra de dúvida, o maior investigador figueirense vivo e o maior conhecedor da história marítima do concelho. Até hoje, nenhuma autoridade nem ninguém lhe prestou qualquer homenagem.

13 de ago. de 2004

A FORMAÇÃO DA PRAÇA VELHA ou PRAÇA da RIBEIRA



"O sítio da Praça do Comércio era já no século XVII um largo público denominado a Ribeira. Mas por este nome foram também designadas as praias do rio até às Lamas, onde hoje são as ruas do Príncipe Real e de M. Fernandes Tomás e a Avenida".

Assim se refere Santos Rocha àquela que é hoje a Praça Velha. O autor refere também que a esta se terá chamado Ribeira das Naus. O sítio das Lamas, que ali se menciona, era um dos subúrbios da Figueira que Santos Rocha presume ter ficado entre as Ruas Dez de Agosto e do Mato. Vale das Lamas era o baixo onde hoje se encontra a rua Dez de Agosto e que tinha ligação a Tavarede por um caminho que passava pela Lapa e seguia pela Várzea.

A Praça do Comércio, que foi aterrada em 1777, "foi a primeira praça que teve a povoação" O pelourinho data de 1782 e custou à Câmara 231$085 reis. No local onde é hoje o largo Luís de Camões (ao lado da Praça velha) existia uma praia do rio "banhada pelas marés regulares e chamava-se Praia da Ribeira". No dizer de Santos Rocha, que vimos seguindo, a Praça era invadida pelo rio, pelo que se construiu "um muro na boca desta".

Nesta altura a Rua da Oliveira, (que se chamava Rua que vai dar à Ribeira) já existia e as ruas que desaguavam na Praça designavam-se Ruas da Ribeira e Couraça da Ribeira

"No século XVIII a Praça da Ribeira estava já toda povoada. Diversos documentos referem-se claramente às casas do lado ocidental: algumas eram de sobrado e uma única de dois sobrados. Outros referem-se às casas do lado oriental onde todas eram de sobrado. A cadeia púbica, em 1749, estava situada por detrás de uma das casas deste lado, e tinha provavelmente a frontaria para a Rua do Forno".

Do norte da Praça subia o "velho caminho do meio que se dirigia para o adro de Stº António e caminho de Tavarede".

7 de ago. de 2004

MANUEL DIAS SOARES AUTOR DA "MARCHA DO VAPOR"




Manuel Dias Soares nasceu na Figueira da Foz em Novembro de 1867. Aprendeu música com Manuel Fernandes Mesquita, seu padrasto, e desenvolveu a sua arte com o espanhol Alzamora e depois com Augusto Symaria, regente da "Filarmónica Dez de Agosto".
Apresentou-se em público pela primeira vez em 1889. Em Fevereiro de 1890 tomou parte como violinista num concerto organizado por artistas do Teatro S. Carlos, altura em que terá composto a sua primeira obra "O Privado Sultão", uma opereta de um acto feita com Mendes Leal.
Foi regente da "Dez de Agosto" e colaborador da "Figueirense"; integrou a "Tuna Figueirense" e fundou a "Fanfarra" uma agremiação musical que contava com o concurso de músicos de várias colectividades. Foi, ainda, organizador e regente do "Grupo Musical Clara".
Em 1908, dirigiu a "Dez de Agosto" num concerto dado no convento da Batalha para o rei D. Carlos.
Um ano antes, Dias Soares assumira a direcção do "Rancho do Vapor". Foi aqui que o músico deu largas à sua veia popular e melódica. Daqui se destaca a Marcha do Vapor, hino da associação que compôs para letra de Pereira Correia e que é hoje o hino da Figueira da Foz.
Em 1915 Dias Soares conseguiu organizar uma orquestra sinfónica que fez a sua primeira audição numa das salas do Paço.
Faleceu a 7 de Agosto de 1938.

A cultura, que tem pelouro, homenageará Manuel Dias Soares? Não falta, no local onde esta a placa que homenageia os autores do hino, um busto do insígne músico? As crianças aprendem sobre ele?

TOPOGRAFIA DA FIGUEIRA NOS FINS DO SÉC. XVII



"Imagina, leitor, que no lugar da Praça nova existe uma praia do Mondego, que nas marés altas é banhada pelas águas até ao cimo, não ficando seco senão uma faixa pelos lados do oeste, norte e leste; que no sítio do largo Luís de Camões e em parte da Praça do Comércio (Praça Velha) está outra praia do rio, também completamente inundada pelas marés; e que no jardim público existe ainda outra praia, que tu conheceste com o seu velho e legítimo nome de Praia da Fonte, mas sem o viaduto, os muros de suporte e casaria que ali tens visto. Era nos dois promontoriozinhos que avançam para o sul, sobre o Mondego, um ao nascente, entre as duas primeiras praias, e outro ao poente, entre a segunda e a terceira, que nos fins do século XVII estava circunscrita a povoação que hoje vês tão ampla.
(…)
De comunicação externa existiam seis vias importantes: um caminho pelo local da Rua Fresca, dirigindo-se para a fonte do povoado, que existia e ainda existe no Largo da Fonte, e que daí seguia pelo Viso para Buarcos e Redondos; três caminhos pelos locais das modernas Ruas Formosa, da Bica e de Stº António, em frente do moderno hospital da Misericórdia, e ligavam com o caminho de Tavarede, que seguia para o norte pela moderna Rua do Sol; outro pelo sítio da Rua dos Ferreiros; outro que partia da praia, onde hoje se acha a Praça Nova, aí pela extremidade meridional do edifício onde são actualmente os Paços do Concelho, ia pelo local da Rua Direita do Monte até ao velho Casal das Lamas, e daí para Vila Verde e outras povoações.
(…)
Pelo lado ocidental do caminho que existia na Rua dos Ferreiros havia umas pedreiras em que se explorava o maciço calcário (…). Dali se extraía muito material para as construções do povoado.
Um ribeiro vinha desaguar ao cimo da praia onde se acha a Praça Nova.

Retirado da obra de Santos Rocha "Materiais para a História da Figueira nos Séculos XVII e XVIII"

31 de jul. de 2004

FERNANDES TOMÁS, PATRIARCA DA LIBERDADE



Nasceu há 233 anos o mais ilustre de todos os figueirenses:

"Rua dos Tropeções, mais tarde Rua do Quebra-Costas (hoje rua 31 de Julho) esta a rua onde, por ironia toponímica, nasceu Manuel Fernandes Tomás, numa casa entretanto arrasada e que espreitava para a praça que hoje ostenta a sua figura de bronze em expressivo gesto".

"(...)Bacharel em 1790 (ingressou na universidade de Coimbra com 14 anos), formado em 1791", ano em que foi eleito almotacé do município da Figueira da Foz (fiscalização e policiamento da distribuição dos produtos alimentares). Em 1795 foi eleito vereador da Câmara, mandato que cumpriu por um ano.

Em 1801 ingressou na magistratura (em Arganil) e em 1804 foi nomeado superintendente das Alfândegas e dos Tabacos das comarcas de Aveiro, Coimbra e Leiria.

Em 1808, com o desembarque das tropas de Wellington, foi-lhe confiado o papel de Comissário em Chefe do Exército no distrito. Dele disse o general inglês ser “o homem de quem recebi mais assistência e serviço do que qualquer outro”.
Foi para Coimbra como Provedor da Comarca e em 1816 foi desembargador da Relação e Casa do Porto.

No Porto conheceu Ferreira Borges e foi um dos fundadores do Sinédrio. Com o pronunciamento militar de 24 de Agosto de 1820 redigiu o “Manifesto da Junta Provisional do Supremo Governo do Reino”. A 1 de Outubro, no 1º governo pós-revolução, foi Ministro dos Negócios do Reino e da Fazenda.

"Morreu a 19 de Novembro de 1822, pelas 11 horas da noite" por "inflamação intestinal crónica" ou "desordem crónica das vísceras". Morreu em "quase miséria" tendo sido criada, 10 dias antes do seu falecimento, uma comissão de beneficência para angariar fundos para a sua família.

"Não enlevava os ouvidos, nem arrastava os ânimos com as torrentes da eloquência. Persuadia ou desarreigava! A frase quase nua e correcta, toda luz e força, partia directo ao alvo e feria-o no centro. Revelando todo o pensamento detestava as ampliações retóricas e os artifícios supérfluos. Não ornava a verdade: dizia-a".(Rebelo da Silva)

Expressões entre aspas retiradas do livro de José Luís Cardoso, “Manuel Fernandes Tomás, Ensaio Histórico- Biográfico”, cadernos Municipais, 1983

28 de jul. de 2004

FIGUEIRA, 1721

Informação paroquial da Figueira da Foz do ano de 1721, escrita pelo súbdito do P. Melchior dos Reys

(…) Está fundada esta igreja em hum grande terreyro q. lhe serve de Adro, ou Semitério, não mto. alto junto à Fos do celebrado Rio Mondego, de cujo citio Se estam vendo não só as cristalinas agoas do dito Rio, q. com suas continuadas navegaçois fica sendo mais plausível o Seo agrado, mas também as crespas ondas do mar oceano, com cujas vistas fica o tal citio não só aprazível à vista dando recreaçam aos olhos mas tambél deleytavel pª a vivenda humana tendo da banda sul para regallo o notauel e popullozo lugar, ou villa ( como el Rey N. S. q. Ds. G. o Snr D. Joam 5º o tem em mtªas cartas q a alfandega delle tem vindo appelidado) da Figueyra, digo, da Fos do Mondego, popullozo em gente natural, e estrangrª de varias nasçõis q nelle fazem negº e por isso tam cellebrado.

He tradiçam tam antiquíssima q não há memória em contrario, e de secullo pª século se foi sempre conservando a tal memoria q a refferida Igrª e o seo principio foi Abbadia e esta do tempo dos Godos, e q entrando em Espanhas o poder dos Sarracenos não escapou a tal Igrª à fúria com que pretenderão destruillas asenhoreandosse dellas por tempo de 800 anos, pois no tal tempo foi a dita Igrª pellos referidos bárbaros arruinada, retirandosse dellas o Abade q entam nella existia pª partes donde pudesse com segurança escapar a vida, temendo o flagello cruel da morte e ahi passando athe q retirados os inhumanos, e carnisseyros lobos famintos de sangue catholico do tal citio tornou a elle o dito Abb. Com suas rendas, ou com as rendas de sua Abbadia reyedificou a refferida Igrª das ruínas em q. ficou posta, restaurandoa.

(…) Nesta Igr. não há relíquia alguma de q se possa dar nota nem sua freguesia tem capella ou ermida algua excepto em Villa Verde, no qual há duas capellas hua de S. Aleixo q os moradores instituíram por sua devoçam mas não se lembram do anno em q foi erecta, outra com o titullo do Snr. Do Monte grão que he atado à colluna, a qual instituhio Julliam Gonçalves e hoje admenistrador della o Rdº Pe Custodio Gonçalves Aranha nAl de Villa Verde.

(…) e não há nesta freguezia CAza de Misericórdia, hospital ou recolhimtº e só hum convento há com o titulo de S. António da Figrª de frades de S. Francisco recolletos e sogeytos à província de Portugal o qual foi fundado por Fr. António de Buarcos no anno de 1527.

(…) o refferido asima é o q achey, pude descobir e me consta, o q affirmo ser verdade e assim juro in verbo sacerdotis (…) e dou o Ldº Melchior dos Reys Cura q prezente sirvo na refferida Igrª de S. Julliam da Figueyra da Fos do Mondego, em os vinte e três dias do mês de MAyo do anno do Nascimtº de N. Snr. Jezus Christo de Mil Sete Centos e vinte e hum.

22 de jul. de 2004

OS FUNDADORES DO GINÁSIO



A foto ilustra a primeira direcção do Ginásio Clube Figueirense tirada em 1895. O Álbum Figueirense, de onde retirámos o boneco, salienta a acção "benemérita" que o clube vinha "exercendo há quarenta anos (a edição é de 1935) em vários sentidos, em que se salienta o da cultura física da juventude figueirense".

Os heróis da foto são Pedro Augusto Ferreira (Presidente,ao centro) Jorge Laidley (vice, à direita), José Camolino de Sousa (secretário, à esquerda). De pé, da direita para a esquerda, José Carlos da Silva Pinto (tesoureiro), Joaquim Alves Fernandes Águas, Manuel Fernandes Tomás e José Augusto Evangelista (vogais).

SOMBRIO E A SOMBRA


 
Passam, no próximo dia 29 de Julho, 110 anos do nascimento de António Esteves, prolífico criador literário que utilizava o nome de Carlos Sombrio.
 
Carlos Sombrio colaborou na imprensa local e regional, quer figueirense, quer de outras paragens, como "A Voz da Justiça", o "Álbum Figueirense", o "Notícias de Gouveia", a "Voz da Serra" de Ceia e na imprensa nacional, entre eles no "DN", n`"O Século", e no "Primeiro de Janeiro", entre outros.
 
Dedicou-se à crítica literária e à escrita tendo publicado "Sombras", "A Celebração do Centenário de Camilo na Figueira", "Instituto de Sangue" (Teatro) "Segredos", "Aguarelas da Beira", "Resignada", "Cartas Perdidas" e "Diálogos".
 
Um dos seus ex-libris, que aqui reproduzimos, representava o nobre pelourinho da Praça Velha e ostentava a divisa "Por minha terra", pois Sombrio era um indefectível bairrista.
 
A Figueira, como é óbvio, tem deixado Carlos Sombrio na sombra.

16 de jul. de 2004

A FUNDAÇÃO DA NAVAL

Do CORREIO DA FIGUEIRA de 3 de Maio de 1893, respiga-se
 

 
"ASSOCIAÇÃO NAVAL 1º DE MAIO
 
Acaba de fundar-se nesta cidade uma sociedade de rapazes artistas, que tomou por denominação a epígrafe acima.
Como início auspicioso do que ela promete, realizou no primeiro do corrente um passeio fluvial até Lares, e à noite efectuou uma animada reunião na antiga aula da Filarmónica Figueirense, na rua Direita do Monte.
Ontem, 2 de Maio, houve eleição da direcção, da qual foi nomeado prsidente o conhecido banheiro da nosssa praia, o sr. João da Encarnação, tesoureiro o sr. Carlos Augiusto de Oliveira, secretário o sr. António Ribeiro da Costa e vogais os srs. António Monteiro e António Boanova".

VALORIZE-SE O FORTE DE SANTA CATARINA

Eis um interessantíssimo texto publicado no A.F. (ano II, nº 6, 1934) da autoria de João Coelho. Ficamos chocados com a sua actualidade e com a forma simples e inteligente como o problema é colocado; problema que ainda hoje está por resolver. Vejamos o seu sábio conselho:
 

 

"Há muito que meditamos na possibilidade de se organizar um pequeno museu militar no Forte de Santa Catarina, à semelhança dos numerosos que, após a Grande Guerra, se espalharam pela Bélgica, e constituem hoje um dos maiores atractivos para os visitantes daquele pequeno grande país. A Figueira, conquanto não tenha sido teatro de extraordinários feitos bélicos, foi-o todavia dum evento que a liga à história militar da Inglaterra e de Portugal, por um modo que, em qualquer país teria sido muito bem explorado, como um riquíssimo filão para efeitos de turismo. Refiro-me ao desembarque na margem sul do nosso porto da tropas inglesas do comando de Sir Arthur Wellesley, mais tarde Duque de Wellington.
 
Na casamata do forte, fronteira à capelinha de Stª Catarina instalar-se-ia este pequeno museu que, como simples comemoração do feito citado, não exigiria grande cópia de espécies expostas. Poucas coisas mas bem apresentadas, e uma boa decoração, bastariam para lhe estar assegurado um efeito retumbante, com o qual, a Figueira pobre de monumentos e de tradições muito teria a lucrar. A adaptação dessa casamata é tudo quanto há de mais simples e menos dispendioso (...) Como ornamento, vários painéis de azulejo, representando um dêles, o desembarque das tropas britânicas segundo um desenho feito por um oficial que acompanhou a expedição e do qual há várias cópias na Figueira, e outros representando Wellington, Napoleão ou qualquer outro motivo (...).
 
Talvez não fôsse desacertado haver ainda neste museu uma pequena secção representativa da Grande Guerra. Na secção da Guerra Peninsular haveria espingardas de pederneira, espadas, mochilas, etc. e alguns manequins representado soldados ingleses e portugueses vestidos com os fardamentos da época.
 
Também a capelinha de Stª Catarina devia fazer parte dêste museu, como local em que os soldados da guarnição do Forte, muitas vezes praticaram, até sob forma, alguns actos do culto então obrigatório(o autor sugere aqui algumas pinturas a criar por artistas plásticos do seu tempo e a expôr na capela). Depois disto uma brochurazinha com algumas ilustrações a côres, descrevendo em português e inglês o acontecimento histórico que o museu visa perpetuar (...) Eis, um alvitre que o Álbum se honra de sugerir."

OS INGLESES NA FIGUEIRA





Carta de um soldado inglês do corpo de Wellington escrita a 8 de Agosto de 1808 a partir do
acampamento de Lavos, próximo da Figueira



Aproveitei a oportunidade duns momentos vagos para lhe escrever algumas linhas a dizer-lhe que estou perfeitamente bem, embra bastante fatigado e queimado por andar constantemente exposto ao sol e pela actividade que o meu conhecimento da língua e a nossa situação torna indispensável; (...)


Nós desembarcamos no primeiro deste Mês (Agosto) Foram precisos três dias para o desembarque de todo o exército, e se de terra nos tivessem feito oposição, nós positivamente nunca o conseguiriamos ter efectuado tão grande é a ressaca tanto na costa como na barra. Contudo, graças a Deus todo o exercito desembarcou sem nenhuma perda, a não ser de um ou dois cavalos e agora oupamos uma posição neste lugar, tendo à nossa esquerda a aldeia e à direita o mar (...).


Nós avançamos para atacar Mons. Junto depois de amanhã; a guarda avançada sob o comando do general Fane segue amanhã. Serão alguns dias de marcha. A parte mais trabalhosa desta empresa está nestas estradas infames e no sol abrazador que com o enorme trem de artilharia e bagagem nos obrigam a um movimento muito moroso.

(...)

O estado maior do gen. Ferguson ocupa aqui a casa um velho amigo, onde nós estamos bastante confortavelmente pelas atenções dispensadas pea senhora G. Archer da Figueira, enviando-nos tudo o que podemos necessitar. Aliás, eu não seim o que devíamos ter feito estando a Figueira a quatro milhas e meia de distância e sem encontrarmos mais perto daqui nada para comer ou beber.

(...)

Do vosso sempre amado filho

Wm Warre"


13 de jul. de 2004

JOÃO GASPAR DE LEMOS, herói da liberdade

Texto de Bulhão Pato sobre JOÃO GASPAR DE LEMOS (Carvalhal, Maiorca, 1816-1892), herói liberal da batalha de Asseiceira e médico distinto.



"Tornei a Coimbra e depois fui à Figueira pela primeira vez.
No dia seguinte li num jornal:
Regressou da sua viagem pela Europa, o ilustre poeta João de Lemos na sua quinta de Anta. Montei a cavalo e pus-me a caminho. Às cinco horas bati-lhe À porta. O poeta ia para a mesa. O meu aparecimento era imprevisto. Abraçámo-nos com a efusão da sincera amizade.
Eu estava na flor, João de Lemos na força da vida. Gaspar de Lemos era então - 1862 - um homem de 46 anos. Alto, seco, musculoso e de aspecto varonil. Abonava-lhe o rosto a bravura de ânimo.
Aos dezoito anos alistara-se nas fileiras liberais. Na batalha de Asseiceira, a 16 de Maio de 1834, era segundo sargento do batalhão móvel de Alcobaça. Nesse dia houve um momento em que a acção estava perdida. Quando os seus se retiravam, Gaspar de Lemos voltou a face ao inimigo, bradando aos camaradas e influindo-lhes ânimo. Escapou à morte por milagre!
No ano seguinte foi condecorado com a Torre e Espada.
(...)
Terminada a luta matriculou-se em medicina na Universidade de Coimbra, formando-se com distinção. Os pais eram extremamente pobres. Às solicitudes de um tio padre deveu a sua educação.
Não pediu à pátria nenhuma remuneração! Havia homens desta têmpera, naqueles dias! Conhecem agora por aí alguns com tais músculos?"

ANTERO NA FIGUEIRA

Manuel de Arriaga conta-nos um episódio que envolveu o seu amigo Antero de Quental na Figueira da Foz



"Achámo-nos um dia, sós os dois, no fim de uma larga excursão a pé e ao cair da tarde numa terra de pescadores, próxima da Figueira da Foz, em Buarcos. Antero não era forte no mar. tentou-nos a ideia de sairmos numa das lanchas que partiam para a pesca. Antero condescendeu.
Não mediu bem as consequências do passo que dava. Não pensou nas longas horas que seria obrigado a permanecer nas solidões do oceano, numa noite calmosa de verão, perante as cintilações dos astros e a fosforescência das ondas, sem agasalho e sem alimento!
Passámos toda a noite nas alturas do cabo Mondego...
Era um espectáculo digno em tudo da grande alma do poeta micaelense. Antero, porém, sucumbiu. A ondulação repetida da vaga, o cheiro nauseabundo do peixe, a debilidade pertinaz do estômago, que mais tarde havia de ser o mais implacável inimigo, o frio da noite, prostraram-no completamente. As ânsias de enjoo que por vezes o acometeram obrigaram-nos a instar com os barqueiros para voltarmos a terra.
Era transtôrno e prejuízo para eles abandonarem a pescaria, quando esta lhes corria favorável; mas cediam já à nossa instância, quando Antero tomou a defesa dos pobres homens com tal firmeza de vontade que desistimos do nosso propósito! Com uma abnegação verdadeiramente estóica, com uma submissão ao sofrimento perfeitamente evangélica, deitou-se atravessado na pôpa da lancha junto de nós e ali esperou, silenciosamente, longas horas, até que o pescadores dessem a tarefa por terminada ao romper da alvorada. Quando desembarcámos eram cinco hortas da manhã. Antero parecia um desenterrado...Antero não tinha sido o autor desta orgia sui generis, mas a sua boca foi sagrada, não teve palavra de imprecação, de censura ou queixa."

Na Figueira, em 1860, Antero escreveu o seu poema "O CREPÚSCULO" . Também aqui terá escrito, de acordo com Teófilo Braga, a ode "AS ESTRELAS"

12 de jul. de 2004

DISPUTAS NAS TERRAS DE LAVAOS

Na doação que o Abade Pedro fez à sé de Coimbra da igreja de S. Julião (que aqui reproduzimos, em parte) consta a herdade de Lavalos. O Abade Pedro era de origem mocárabe e tinha recebido do conde Sisenando "o encargo de restaurar as terras deste trato da orla marítima, devastadas pelas guerras da reconquista" (1080).

Após a morte do Abade a região voltou a ser assolada por sarracenos e só depois da conquista de Lisboa (1147) foi povoada de vez. O bispo de Coimbra, João Anaia (1148-1154) projectou restaurar S. Julião, S. Paio, Lavos, Buarcos, Casseira e S. Martinho de Tavarede, "distribuindo estas vilas por sete colonos". Estes, entraram em disputas uns com os outros a propósito dos limites das terras e o mesmo aconteceu entre a Sé e o mosteiro de Stª Cruz de Coimbra. Em 1190 ainda a Sé e os frades cruzios disputavam o território - aproveitando dissidências entre o rei e o bispo - conseguindo estes que D. Sancho I lhes fizesse nova doação das terras em 22 de Setembro de 1202.

Seguimos neste texto um outro do Dr.Ruy de Azevedo, publ. no AF, Abril de 1939