4 de ago. de 2008

PEDRO FERNANDES THOMÁS E “A FIGUEIRA E A INVASÃO FRANCEZA”


A segunda metade do século XIX, período que viu crescer e viver Pedro Fernandes Thomás, foi, em Portugal e na Figueira, de grande riqueza histórica.
O país vivia um período de estabilidade política, marcada pelo “Rotatitivismo” partidário e assistiu a um crescimento económico salutar, caracterizado sobretudo por uma revolução ao nível dos transportes. Chamou-se-lhe o período da “Regeneração”.
Mas foi acima de tudo na cultura que esta época mais floresceu; basta atentarmos nos nomes de alguns escritores e pensadores de então para nos impressionarmos: Camilo, Eça, Oliveira Martins, Gomes Leal, Guerra Junqueiro, Ramalho Ortigão, Antero de Quental, Teófilo Braga, Sampaio Bruno e Leite de Vasconcelos, entre outros. Foi a época da “Questão Coimbrã” e das célebres “Conferências do Casino” e foi um tempo de surgimento de grandes marcos na imprensa: “O Mundo”, “O Século”, “O Primeiro de Janeiro”, a “Voz do Operário” e as revistas “Lusitana” e “Ilustração Portuguesa”.
Também na Figueira este período foi áureo. Desenvolveu-se a indústria (fábricas do Vidro e da Cerâmica), fez-se grandes obras no porto, rasgou-se a ligação por estrada a Coimbra e a Leiria, abriu-se a linha da Beira Alta e do Oeste, construiu-se o mercado e iniciou-se o abastecimento de água e a iluminação pública.
Ao nível da cultura a lista é também prodigiosa: construiu-se o Theatro Príncipe, a actual sede da Assembleia Figueirense, o teatro Saraiva de Carvalho, o Museu, o Ginásio, a Naval, a Dez de Agosto e já no início do século XX, os teatros do Caras Direitas e o Trindade; nesta altura também foi lançado o jornal “O Figueirense” (1863).
Em suma, a Figueira mostrava uma classe burguesa pujante, dinâmica e com capacidade de afirmação no contexto nacional.

Pedro Fernandes Thomás viveu, pois, num contexto de enorme riqueza histórico-cultural, dir-se-ia mesmo num período muito interessante da história portuguesa e da Figueira da Foz. O investigador teve ainda o privilégio de partilhar o seu tempo com uma interessante plêiade de homens figueirenses: Santos Rocha, Acácio Antunes, Goltz de Carvalho, João Costa, Francisco Lopes Guimarães e Fernando Augusto Soares, entre outros. A geração que se seguiu, e com a qual certamente conviveu, foi também uma geração rica em personalidades que pela sua actividade marcaram e se distinguiram na vida pública: Elói do Amaral, João de Barros, Salinas Calado, Cristina Torres, Santiago Prezado, Cardoso Marta, Maurício Pinto, Manuel dos Santos, António Piedade, Joaquim de Carvalho, Raimundo Esteves e João de Oliveira Coelho.
A “A FIGUEIRA E A INVASÃO FRANCEZA, notas e documentos” foi editada em 1910. Todos sabem que esta é a data da implantação da República. Era um tempo marcado por dois sentimentos colectivos fortes: o patriotismo e o anti-clericalismo.
Por aqui se compreende como em 1910, uma obra que relatasse a oposição ao invasor estrangeiro encontrava correspondência na exaltação do sentimento pátrio. A data justificava-a, pois em 1908 assinalara-se o centenário daquelas invasões, mas o momento era propício. Era também pertinente associar ao espírito patriótico o espírito liberal de alguns clérigos, como era o caso de Pister e Andrade, razão porque um dos capítulos da obra lhe faz menção, assim como à sua obra poética. De resto, as outras partes da obra, como o documento que atesta o oferecimento de um refresco às tropas inglesas por parte dos negociantes de Coimbra, ou a ode liberal de José Joaquim de Figueiredo intitulada “A Paz de Lysia”, escrita por ocasião da inauguração da iluminação pública na Figueira, reforçam a ideia do triunfo (tardio) do liberalismo e colam a Figueira da Foz a esse movimento e seu ideário.

Na parte relativa aos acontecimentos históricos que se prendem com a invasão francesa, Pedro Fernandes Thomás dá nota pormenorizada dos momentos vivenciados na Figueira, naquilo que se chamou a primeira, segunda e terceira invasão.
Ficamos a conhecer as tomadas de posição públicas da Câmara e das populações; A obra é profusa na inserção de actas.
Conhecemos os nomes dos que abriram mão do seu pecúlio para ajudar na heróica resistência ao invasor (e os que tiveram que pagar aos franceses o seu esforço de guerra - À Figueira coube então a entrega de 180 mil reis e ao erário figueirense um empréstimo de 144 mil réis, destinado a reparações no forte de Stª Catarina, do qual nunca foi ressarcido).
Conhecemos, ao pormenor, a intervenção do esquadrão académico que, acompanhado de populares, tomou ao ocupante o forte de Stª Catarina (descrição feita por Zagalo da tomada do forte publicado no nº 5 do “Minerva Lusitana”).
Acompanhamos o pavor das gentes e os seus receios, quando após a expulsão dos franceses se colocou a hipótese do seu regresso e ficámos a saber como se recebeu sua eminência, o bispo de Leiria, que procurou acolhimento no Convento de Santo António. Conhecemos os nomes dos que compuseram a Junta de Governo da Vila e as medidas tomadas para protecção da cidade, bem como as que suportaram o desembarque dos ingleses.
Assistimos ao desembarque dos ingleses, primeiro em Buarcos (a nau Alfredo) e depois, no Cabedelo. Percebemos as estratégias em jogo no enfrentamento do invasor, com a posição de Wellington a prevalecer.

Na segunda invasão tomamos nota da resistência das populações à saída do governador José Correa Soares, bem como a abertura de donativos dos locais ao esforço de protecção da vila.

Na terceira invasão, de todas a que mais represálias teve sobre as populações, conhecemos o drama de Mariana Fernandes Thomás (irmã de Manuel) que dá nota, numa carta pormenorizada dirigida ao seu irmão, da forma como a sua família e ela própria foram vilipendiados pelo invasor e despojados dos seus bens e da sua liberdade.
Vivemos o drama das populações que ora debandam para os arredores, ora acorrem à vila.
Conhecemos as más condições em que vivem, o grassar da fome e das epidemias. Percebemos as preocupações da Câmara que se desdobrava na busca de alimentos e que depois teve que se preocupar com os mortos (passam a ser enterrados na cerca do convento de Santo António; nasceu assim, digamos, o cemitério Setentrional).
Tomámos nota, finalmente, da forma como se festejou, na Figueira e em Lavos, a expulsão das tropas francesas (16 de Abril de 1811).

A obra descreve ainda como se assinalou a efeméride nas comemorações do primeiro centenário. Um enorme e participado cortejo, envolvendo as escolas, as filarmónicas, as associações recreativas e profissionais, polícias e bombeiros e representantes de entidades várias desfilaram dos paços do concelho ao forte, onde houve missa e se assinalaram salvas de artilharia. Foi descerrada a lápide colocada no forte e de regresso aos paços do município onde se celebrou a sessão solene com vários discursos. Reza a obra que,
“O salão nobre, corredores e escadas estavam repletas de pessoas de todas as condições sociais. No vasto salão tudo quanto de distinto e notável existia na Figueira e arredores, e grande número de formosas e gentis damas”.

(Texto que serviu de base à apresentação da obra aquando da sua reedição – palácio Sotto Maior, 1 de Agosto).