Tavarede, gracioso pôrto de mar aberto na embocadura do rio Alvo, gozara outrora de relativa prosperidade, graças a excelente situação: os exportadores da província florestal e vinícola que marginava as águas do Alvo, tinham nêle ótima saída para a mar. Então, nesses tempos felizes, raro era o dia em que o Espadarte, o pequenino rebocador da pôrto, empenachado de fumo, não sulcasse as águas azues do Alvo, para levar ao mar alto os veleiros atestados de pipas ou toros de pinheiro. Esses tempos tinham passado. O assoreamento crescente do rio afugentara as embarcações. Tavarede era agora uma cidadezinha tranquila, onde os homens caminhavam sem pressa, ao longo dos cais abandonados ao grasnido das gaivotas poisadas, em bandos espenujantes, na orla dos grandes areais do rio. O movimento do pôrto estava confinado a algumas traineiras que abasteciam de sardinha a região, e, na época própria, à faina do bacalhau para o que a cidade mantinha uma pequena frota. 0 comércio local era escasso vivendo a melhor parte da população à custa dos rendimentos de bens amassados pelos que tinham tido a dita de viver no tempo de prosperidade do pôrto. Era o caso da família de Antunes Pinto. Quem passasse no largo da Alfândega, e relanceasse os olhos à acanhada loja de papelaria, sôbre cujas portas pendia taboleta com o nome dêste senhor, ficaria crendo que o seu proprietário não passava dum pobre comerciante. Contudo, em Tavarede, Antunes Pinto gozava fama de ricaço. Seus antepassados haviam enriquecido, dizia-se, exportando moeda falsa para o Brasil no oco de imagens devotas.
João Gaspar Simões, Uma história de província, Amores Infelizes, Presença, Coimbra, 1934
João Gaspar Simões, Uma história de província, Amores Infelizes, Presença, Coimbra, 1934