29 de mar. de 2008

A FALÊNCIA DO COSTA E Cª (II)



A cidade que ele banhava não era bonita nem feia. Era uma cidade vulgar de província, término duma linha de caminho de ferro com o seu pequeno porto de mar e a sua Indústria de pesca, bastante comprometida desde a recente falência do Banco.
(…) Meses atrás, de surpresa, o Banco do pai suspendera os pagamentos. Um escândalo que atordoara a cidade e só por pouco a não deixara em farrapos. A inspecção acusada de negligência. E todos aqueles avultados fundos que alimentavam, como um sangue fértil e generoso, o corpo da indústria e do comércio locais, ali estavam retidos (e estariam, realmente?!) à espera que o Governo ordenasse um inquérito.
Umas após outras, deputações de homens públicos tinham-se deslocado a Lisboa a avistar-se com o Ministro. Os jornais publicavam na primeira página os resultados das conferências. Eram pessimistas umas vezes; outras, porém, não hesitavam, em garantir que tudo voltaria em breve à normalidade.
A população acolhera o Comissário do Governo com angústia. Mas também com alguma esperança. E na antiquíssima casa bancária Spratley e Cª, em frente ao cais, peritos trabalhavam até altas horas da noite, por detrás de vidros foscos, tentando apurar responsabilidades e até que ponto seria possível, mediante operações de emergência, salvar os depositantes da ruína eminente.
O pânico estabelecera-se entretanto. À desconfiança dos primeiros dias, seguiu-se a paralisação de algumas indústrias. Uma fábrica de vidros fechou. As minhas de hulha, nas faldas da serra, reduziram a metade o período de exploração. Depois, hoje um, amanhã outro, vários estabelecimentos comerciais, alguns quase seculares, abriram falência. Inexoravelmente, à vista de todos, a máquina económica desmantelava-se em mil pedaços inúteis.

Luís Cajão, Um dia fora do mundo, Ed. Minerva, 1956