21 de out. de 2007

AINDA A REPÚBLICA

*Nesse dia em que João adoeceu meu Pai estava fugido por perseguição política que o Sidónio movia aos republicanos. Estava na Quinta dos Condados, em casa do Sr. João dos Santos. Este senhor fôra feitor e herdeiro do Sr. João Costa, proprietário rico que construíra a sua bela vivenda na falda sul da Serra da Boa Viagem. Contava meu Avô que o Sr. Costa, dos Condados, tinha uma tradição inglesa. Na sua vivenda até os vidros das janelas vieram de Inglaterra. Nas salas, que eu naquela data achei luxuosas, havia belos fogões de sala, o que na época só os ricos possuíam. Fui ali levar meu Pai depois da nossa casa ser cercada pela polícia, que se esquecera de guardar o portão do jardim que dava para a Rua da Bica. Nessa ocasião o Sr. Santos disse que por detrás de um fogão de sala tinha uma parede dupla que servia de esconderijo. Ainda o fomos lá visitar um dia, eu e o meu irmão João. Eu tinha 17 anos e o João 14. Nessa visita o João cansou-se muito. Foi penoso o regresso a casa. O João queixava-se de cansaço, que não podia andar mais e que lhe doía muito a cabeça. Já estava doente. No dia seguinte, 17 de Outubro, estava com muita febre. A guerra 14-18 estava a findar e ele seguia o rolar dos acontecimentos com imensa curiosidade, esperando o fim próximo da guerra, que como se sabe terminou pelo Armistício, a 11 de Novembro de 1918.
Mas no dia 17 de Outubro a chamada epidemia estava no auge. Nas farmácias não se conseguia entrar: estavam cheias de pessoas que ansiosamente queriam comprar medicamentos. Médicos não se encontravam: por mais que se telefonasse e procurasse não havia. O povo ainda não tinha consciência do que se passava mas já então estava a morrer muita gente.

*In, Memórias, Ernesto de Barros, 1982