23 de out. de 2007
PALHEIROS NA COVA GALA
Não obstante, e como em Mira, encontram-se na Cova habitações sem estacas, principalmente na região mais distante do mar e já sob o abrigo das que se dispõem em frente; mas aqui o número de palheiros que a estacaria suporta é bem maior embora não atinja, ao que parece, o número dito.
Disseminados, às vezes em arruamentos, abrangendo entanto uma área vasta, os que mais perto ficam da água, fincam-se sob pilares, que, à vista, medem três metros e até mais.
De ordinário, porém, a altura, como em Mira, oscila entre um metro e dois, e nunca atinge, como em Vieira, cinco e além. Sem excepção a forma é rectangular e o acesso faz-se por escadas que dão para uma ou duas portas do edifício. A cobertura, primitivamente de colmo, conforme a tradição, está toda substituída, e num ou noutro caso raro que ainda havia, realizou-se vai em pouco. Em Mira o palheiro é, uma ou outra vez, pintado exteriormente; na Cova quase todos -a vermelhão no corpo geral do prédio, a cores claras nas guarnições.
Como geralmente em todas as povoações costeiras, ter casa própria, na Cova de Lavos, é uma aspiração suprema e quase sempre realizada, ou ela seja modesta e custe vinte libras, ou vasta e folgada e vá até às cem. Depois há os reparos e a substituição frequente das estacas, e, se a prosperidade ajuda, tingem-se de cal interiormente.
Dentro o aceio, de que a bilha de água sempre coberta com um pano alvo de linho é um traço já proverbial. Das imediações, manifesta-se no aspecto de soalhos e paredes, na disposição dos móveis e na exclusão dos apetrechos de pesca menos limpos. Para estes destinam-se velhos barcos já inúteis, como em Buarcos; e por fim, como subsídio previdente a uma indústria de natureza essencialmente aleatória, o pescador da Cova cultiva terrenos areentos próximos que aluga ou de que se apossa e donde obtém alguns legumes, cereal, tubérculo, a vinha mesmo.
Ora o aspecto desta povoação, com o solo incessantemente revolvido, mas instalada como numa depressão, dá a imagem, talvez aproximada, de uma aldeia lacustre.
Publicada por António em 6:34 AM
21 de out. de 2007
AINDA A REPÚBLICA
Mas no dia 17 de Outubro a chamada epidemia estava no auge. Nas farmácias não se conseguia entrar: estavam cheias de pessoas que ansiosamente queriam comprar medicamentos. Médicos não se encontravam: por mais que se telefonasse e procurasse não havia. O povo ainda não tinha consciência do que se passava mas já então estava a morrer muita gente.
*In, Memórias, Ernesto de Barros, 1982
Publicada por António em 9:11 AM
15 de out. de 2007
GRUPO CARAS DIREITAS
Presidente: Joaquim Marçal Carrega; Secretário: Carlos Cruz Oliveira; Tesoureiro: António Augusto da Gama.
Os restantes 12 fundadores foram: Joaquim Rodrigues da Silva, António Caetano Ferreira, José Feteira, António Marques Murta, José Amorim Guerra, Augusto Alves Abreu, José Baptista Soares, António Gomes Pinto, Augusto Maria Henriques, José Cardoso de Oliveira, Alberto Cardoso de Oliveira e José Romão.
O Grupo tinha por finalidades praticar a "Instrução, Beneficência e Recreio", tendo sido aprazado comemorar, como data da sua fundação, o dia 1º de Dezembro por ser o aniversário da Independência de Portugal.
A sua primeira sede foi numa pequena casa na rua Governador Soares Nogueira, cedida graciosamente pelo seu proprietário e director do Grupo, António Gama, seguindo-se uma outra na mesma rua, e depois no Teatro Duque, pelo aluguer do qual, pagavam 60$000 réis anuais.
Em 31-III-1913 é feita a fusão com o Sport Grupo Buarcosense, que tinha uma filarmónica, e como a sede entretanto se tornasse acanhada, três anos depois mudam-se para o Teatro Trindade, tendo passado a designar-se de Grupo Caras Direitas.
Após muitos sacrifícios constroem a sua sede própria que é inaugurada em 6-V-1928, a qual dispõe de uma excelente sala de espectáculos com uma capacidade de 510 lugares onde se têm realizado sessões cinematográficas e teatrais, não só pela sua secção cénica como por consagradas companhias nacionais.
O seu palco que reúne as melhores condições técnicas, já foi pisado por artistas como Adelina e AuraAbranches, Alves da Cunha, lida e Dinah Stichini, Amélia Rey Colaço, Robles Monteiro, Berta de Bívar, Álvaro Benamor, Samuel Dinis, Camilo de Oliveira, José Viana, Mário Santos, Raul Solnado e outros, dando-se até a curiosidade de o popular actor Camilo de Oliveira ter nascido num dos seus camarins.
Ao longo da sua existência a secção cénica do Caras já representou centenas de peças de teatro desde dramas, comédias, farsas, operetas e revistas. Este género teatral tem predominado no Grupo, destacando-se entre as de maior sucesso: "Caldeirada à Pescador", "Nortada Rija", "Onda Marítima", "É Tudo Terra", "Em Águas de Bacalhau", "Um Mar t'Alimpe", "Sardinha na Brasa", "Gente do Mar" e "Cantarinha Vai à Fonte", que proporcionaram largas dezenas de representações, não só em Buarcos como em diversas terras dá país.
De notar que todas as revistas atrás referidas foram musicadas por José Traqueia Bracourt, sendo da autoria de Vasco da Gama e Jorge Bracourt..
Se os êxitos alcançados pela secção cénica se devem aos méritos dos seus amadores, uma parte vai para os ensaiadores, que foram os seguintes: António Gomes Pinto, Manuel Monteiro, José Gaspar, Constantino Nunes da Silva, António Neves, José Goltz de Carvalho, Mário Santos, António Sousa, Manuel Pereira da Silva, João Alves Fernandes, Severo Biscaia, Eduardo Matos, Jorge Bracourt, José Fernandes dos Santos, Mário Bertô e Dr. António Gouveia de Carvalho.
Em Maio de 1931 e durante alguns anos funcionaram no Grupo aulas de instrução primária, desenho e ginástica.
Nos dias 12 e 13 de Junho de 1938 realizou-se um arraial de Santo António, estreando-se um grupo de jazz privativo do Grupo e o "Rancho das Cantarinhas" (…). Da parte musical do rancho foi incumbido Alberto Machado e a coreográfica ficou a cargo de Joaquim Romão.
Em 1-XII-1982 foi inaugurado o Pavilhão Gimnodesportivo a cuja cerimónia presidiu o Ministro das Obras Públicas de então, Eng. Viana Baptista.
(…) Em Dezembro de 2003 um incêndio destruiu o palco (entretanto recuperado).
In, Monografia de Buarcos de Fausto Caniceiro, 2004
Publicada por António em 4:17 AM
8 de out. de 2007
POETAS FIGUEIRENSES
O TEU SORRISO
No teu sorriso, leve como a cassa
Do teu Vestido de ir flanar à praia,
Vive a mimosa e perturbante graça
Da folha tenra e verde d`uma olaia.
Na sua macieza de Cambraia,
Quando em mim poisa – Gaze que esvoaça –
Dá-me a impressão nervosa d`uma saia
Roçando por Tapetes quando passa.
Entre o velludo-roxo das olheiras,
Fortemente vincados a nankim
Brilham-te os olhos-rúbidas fogueiras.
E os teus lábios sangrentos de carmim
- Azas d`insecto, trémulas, ligeiras –
Riem, sorrindo, manchas de setim…
Setembro 1917 António Amargo
Publicada por António em 3:08 PM
A PESCA DO PILADO
É bastante procurado pelos lavradores, que o usam como adubo no cultivo das suas leiras, sendo riquíssimo em matérias orgânicas azotadas, que existem, segundo as analises na elevada percentagem de setenta por cento! As estatísticas acusam uma produção de 98:244$000 reis, média geral nos ultimos quinze anos.
Na costa norte de Portugal é conhecido por diferentes nomes: patêlo, do Minho ao Lima,; pilado, d`aqui até ao Douro; mexoalho ou escasso, para o sul até Aveiro e Figueira da Foz. Tem a forma circular, com cinco centímetros de diâmetro em média, couraça lisa de a cor acastanhada escura, e o ventre branco.
A sua pesca faz-se com regularidade em quasi todo os portos da costa ocidental portugueza, sendo comtudo muito mais importante na costa norte do paiz. As embarcações empregadas n`ela são as bateiras e varinos, pequenos barcos de fundo chato, realisando-se sempre à vista e às vezes, a certa distancia d`ela, unicamente em condições de tempo bonançoso, sobretudo nos mezes de Agosto e Setembro, e ainda assim, os desastres são frequentes porque os pescadores com o seu espírito ganancioso, carregam em demasia as suas pequenas e frágeis embarcações e, não raras vezes, ao atravessarem a arrebentação das ondas, junto à praia, no regresso da pesca, são vitimas da sua imprudência. E n`estes desastres, a que tantas vezes temos assistido, quando não ficam sem as vidas, quasi sempre perdem barcos e aparelhos, e, sempre, o produto da pesca d`aquele dia, o que representa algumas horas de laboriosas fadigas e canseiras.
Em geral os pescadores largam da terra na vazante e regressam na enchente seguinte, trabalhando em regra de dia quando encontram o pilado em profundidades superiores a 20 metros, preferindo a noite no caso contrario, porque segundo dizem quando pescam de dia em pequenas profundidades o pilado distingue facilmente a rede e fogem dela, abrigando-se na areia do fundo.
As redes do pilado são formadas por um saco de feitio vulgar, com três a quatro metros de fundo e de dez a doze de circunferência de boca, da qual partem, em direcções opostas, duas peças de rede, denominadas mangas, que têm aproximadamente de comprimento trinta metros (…)
A pesca pode realizar-se com o concurso de dois barcos ou de um só: no primeiro caso, chegados os barcos ao local próprio, um deles fundeia deixando larga porção de amarra, conservando a bordo o chicote do cabo de um dos calões da rede; o outro barco parte, largando a rede, que mergulha até ao fundo e dispondo-a de forma circular e, depois, navega até atracar ao primeiro, conservando a bordo o chicote do cabo do calão, que foi largado em ultimo logar. (…) Por este processo não se limita esta rede a apanhar apenas o pilado; como é natural ela colhe todo o tipo de peixe de diversas espécies e, algum, de bem diminutas dimensões devido ao pequeno tamanho das malhas (…)
O pilado logo que é descarregado na praia vende-se aos lavradores que o vêm procurar com os seus carros de bois ou outros meios de transporte, chegando por vezes a ser muito disputado e obtendo preços relativamente elevados.
É em seguida lançado nas terras sem outro preparo, às vezes ainda vivo como sai do oceano.
* Mesquita de Figueiredo in Ilustração Portuguesa
Publicada por António em 2:27 PM
2 de out. de 2007
A REPÚBLICA
Em 1910 eu tinha 9 anos. A nossa habitação era na rua da Lomba e o meu pai tinha um pequeno escritório no rés-do-chão. No dia 3 de Outubro à noitinha o meu pai disse-me: “Vais ser um homenzinho e quero-te dizer uma coisa. Rebentou em Lisboa uma revolução para proclamar a República. Hoje aqui não sabemos mais nada”. Mas no dia seguinte, 4 de Outubro, o meu pai não veio almoçar e à noite não veio jantar. Não sabíamos dele e, ao entrar da noite, minha Mãe começou a ficar inquieta, não sabia o que havia de fazer. A cidade estava agitada, corriam muitos boatos, na madrugada do dia 5, perante a inquietação de minha mãe a minha avó, que tinha grande ascendente sobre meu Pai, resolveu-se afazer alguma coisa. Mandou um empregado procurá-lo pela cidade e dizer-lhe que ela lhe queria falar; ele não apareceu à hora matutina do primeiro almoço, e contou que, de pé, dum banco da praça Nova, tinha conseguido pelo seu prestígio político, manter ordeira toda a população agitadíssima pela vitória da República em Lisboa.
Nos dias seguintes, talvez nos dias 5 e 6 de Outubro, eram manifestações e cortejos por toda a cidade. Vivas, discursos, a cada paragem, homens roucos de tanto gritar. Meu pai seguia nessas manifestações e eu acompanhava-o. Um dos tribunos mais em evidencia era o Snr. António Lino Franco, farmacêutico na Praça Velha. Nas manifestações as filarmónicas tocavam incessantemente a “Portuguesa”, o nosso hino. Em seguida foi a mudança da bandeira azul e branca, da Monarquia, pela verde rubra da República, nos edifícios públicos. No forte de Santa Catarina deixaram-me puxar a adriça para içar a bandeira verde-encarnada. Possuo uma fotografia da cerimónia.
Manuel Gaspar de Barros, Memórias
Publicada por António em 5:04 AM