13 de jul. de 2004

ANTERO NA FIGUEIRA

Manuel de Arriaga conta-nos um episódio que envolveu o seu amigo Antero de Quental na Figueira da Foz



"Achámo-nos um dia, sós os dois, no fim de uma larga excursão a pé e ao cair da tarde numa terra de pescadores, próxima da Figueira da Foz, em Buarcos. Antero não era forte no mar. tentou-nos a ideia de sairmos numa das lanchas que partiam para a pesca. Antero condescendeu.
Não mediu bem as consequências do passo que dava. Não pensou nas longas horas que seria obrigado a permanecer nas solidões do oceano, numa noite calmosa de verão, perante as cintilações dos astros e a fosforescência das ondas, sem agasalho e sem alimento!
Passámos toda a noite nas alturas do cabo Mondego...
Era um espectáculo digno em tudo da grande alma do poeta micaelense. Antero, porém, sucumbiu. A ondulação repetida da vaga, o cheiro nauseabundo do peixe, a debilidade pertinaz do estômago, que mais tarde havia de ser o mais implacável inimigo, o frio da noite, prostraram-no completamente. As ânsias de enjoo que por vezes o acometeram obrigaram-nos a instar com os barqueiros para voltarmos a terra.
Era transtôrno e prejuízo para eles abandonarem a pescaria, quando esta lhes corria favorável; mas cediam já à nossa instância, quando Antero tomou a defesa dos pobres homens com tal firmeza de vontade que desistimos do nosso propósito! Com uma abnegação verdadeiramente estóica, com uma submissão ao sofrimento perfeitamente evangélica, deitou-se atravessado na pôpa da lancha junto de nós e ali esperou, silenciosamente, longas horas, até que o pescadores dessem a tarefa por terminada ao romper da alvorada. Quando desembarcámos eram cinco hortas da manhã. Antero parecia um desenterrado...Antero não tinha sido o autor desta orgia sui generis, mas a sua boca foi sagrada, não teve palavra de imprecação, de censura ou queixa."

Na Figueira, em 1860, Antero escreveu o seu poema "O CREPÚSCULO" . Também aqui terá escrito, de acordo com Teófilo Braga, a ode "AS ESTRELAS"