26 de ago. de 2008

O AMERICANO



Em 28 de Agosto de 1876 o Americano começou a transportar passageiros.
Inaugurado em Dezembro do ano anterior, o custo da construção da linha orçou em 45 contos. A obra provocou alguma polémica devido ao facto de a Empresa das Minas de Carvão do Cabo Mondego que detinha o alvará do transporte ter procedido a demolições na muralha buarquina. A empresa justificou-se com a inacção da Câmara no arranjo da via entre a Figueira e Buarcos prontificando-se a repará-la e a, logo que possível, começar a transportar banhistas no Americano.

Agora já posso dizer que foi inaugurado o caminho-de-ferro das Minas do Cabo Mondego. Os carros percorrem a totalidade da linha e às minas vai muita gente de passeio, muito mais rápido e cómodo que a rotineira excursão no clássico burro” (Tribuno Popular)

A tracção fazia-se, portanto, com cavalos ou mulas. Em 1888 foram acrescentadas duas extensões à linha: uma, que ligava o cais novo ao forno de cal da Salmanha (também da empresa) e a segunda, deste último ponto à estação de caminho de ferro.

Em Agosto de 1901 o horário praticado incluía carreiras de 15 em 15 minutos da Praça Nova para a praia, nove carreiras entre a estação e o centro da cidade, quatro carreiras do centro para Buarcos e uma da cidade para o Cabo Mondego.

Em Outubro de 1903 começa a usar-se a tracção a vapor que, no caso dos passageiros, era usada apenas em situações de grande afluência, como quando acontecia a festa do S. dos Passos em Buarcos.

Ainda chegou a ser pedida a tracção eléctrica mas esta acabou por não avançar. Em 1927 a empresa obteve um empréstimo com esta finalidade mas cuja aplicação se gorou.

O Americano entra em declínio a partir de 1926, altura em que foi abandonada a tracção a vapor e se voltou aos animais. Em 1931 a Câmara lança uma carreira de autocarros entre a estação e Buarcos (alugados à Gouveia e Campos de Coimbra) e assim aniquila o velho transporte.

Consultada a revista Bastão Piloto, nº 209/210, Set/Dez de 2000.

4 de ago. de 2008

PEDRO FERNANDES THOMÁS E “A FIGUEIRA E A INVASÃO FRANCEZA”


A segunda metade do século XIX, período que viu crescer e viver Pedro Fernandes Thomás, foi, em Portugal e na Figueira, de grande riqueza histórica.
O país vivia um período de estabilidade política, marcada pelo “Rotatitivismo” partidário e assistiu a um crescimento económico salutar, caracterizado sobretudo por uma revolução ao nível dos transportes. Chamou-se-lhe o período da “Regeneração”.
Mas foi acima de tudo na cultura que esta época mais floresceu; basta atentarmos nos nomes de alguns escritores e pensadores de então para nos impressionarmos: Camilo, Eça, Oliveira Martins, Gomes Leal, Guerra Junqueiro, Ramalho Ortigão, Antero de Quental, Teófilo Braga, Sampaio Bruno e Leite de Vasconcelos, entre outros. Foi a época da “Questão Coimbrã” e das célebres “Conferências do Casino” e foi um tempo de surgimento de grandes marcos na imprensa: “O Mundo”, “O Século”, “O Primeiro de Janeiro”, a “Voz do Operário” e as revistas “Lusitana” e “Ilustração Portuguesa”.
Também na Figueira este período foi áureo. Desenvolveu-se a indústria (fábricas do Vidro e da Cerâmica), fez-se grandes obras no porto, rasgou-se a ligação por estrada a Coimbra e a Leiria, abriu-se a linha da Beira Alta e do Oeste, construiu-se o mercado e iniciou-se o abastecimento de água e a iluminação pública.
Ao nível da cultura a lista é também prodigiosa: construiu-se o Theatro Príncipe, a actual sede da Assembleia Figueirense, o teatro Saraiva de Carvalho, o Museu, o Ginásio, a Naval, a Dez de Agosto e já no início do século XX, os teatros do Caras Direitas e o Trindade; nesta altura também foi lançado o jornal “O Figueirense” (1863).
Em suma, a Figueira mostrava uma classe burguesa pujante, dinâmica e com capacidade de afirmação no contexto nacional.

Pedro Fernandes Thomás viveu, pois, num contexto de enorme riqueza histórico-cultural, dir-se-ia mesmo num período muito interessante da história portuguesa e da Figueira da Foz. O investigador teve ainda o privilégio de partilhar o seu tempo com uma interessante plêiade de homens figueirenses: Santos Rocha, Acácio Antunes, Goltz de Carvalho, João Costa, Francisco Lopes Guimarães e Fernando Augusto Soares, entre outros. A geração que se seguiu, e com a qual certamente conviveu, foi também uma geração rica em personalidades que pela sua actividade marcaram e se distinguiram na vida pública: Elói do Amaral, João de Barros, Salinas Calado, Cristina Torres, Santiago Prezado, Cardoso Marta, Maurício Pinto, Manuel dos Santos, António Piedade, Joaquim de Carvalho, Raimundo Esteves e João de Oliveira Coelho.
A “A FIGUEIRA E A INVASÃO FRANCEZA, notas e documentos” foi editada em 1910. Todos sabem que esta é a data da implantação da República. Era um tempo marcado por dois sentimentos colectivos fortes: o patriotismo e o anti-clericalismo.
Por aqui se compreende como em 1910, uma obra que relatasse a oposição ao invasor estrangeiro encontrava correspondência na exaltação do sentimento pátrio. A data justificava-a, pois em 1908 assinalara-se o centenário daquelas invasões, mas o momento era propício. Era também pertinente associar ao espírito patriótico o espírito liberal de alguns clérigos, como era o caso de Pister e Andrade, razão porque um dos capítulos da obra lhe faz menção, assim como à sua obra poética. De resto, as outras partes da obra, como o documento que atesta o oferecimento de um refresco às tropas inglesas por parte dos negociantes de Coimbra, ou a ode liberal de José Joaquim de Figueiredo intitulada “A Paz de Lysia”, escrita por ocasião da inauguração da iluminação pública na Figueira, reforçam a ideia do triunfo (tardio) do liberalismo e colam a Figueira da Foz a esse movimento e seu ideário.

Na parte relativa aos acontecimentos históricos que se prendem com a invasão francesa, Pedro Fernandes Thomás dá nota pormenorizada dos momentos vivenciados na Figueira, naquilo que se chamou a primeira, segunda e terceira invasão.
Ficamos a conhecer as tomadas de posição públicas da Câmara e das populações; A obra é profusa na inserção de actas.
Conhecemos os nomes dos que abriram mão do seu pecúlio para ajudar na heróica resistência ao invasor (e os que tiveram que pagar aos franceses o seu esforço de guerra - À Figueira coube então a entrega de 180 mil reis e ao erário figueirense um empréstimo de 144 mil réis, destinado a reparações no forte de Stª Catarina, do qual nunca foi ressarcido).
Conhecemos, ao pormenor, a intervenção do esquadrão académico que, acompanhado de populares, tomou ao ocupante o forte de Stª Catarina (descrição feita por Zagalo da tomada do forte publicado no nº 5 do “Minerva Lusitana”).
Acompanhamos o pavor das gentes e os seus receios, quando após a expulsão dos franceses se colocou a hipótese do seu regresso e ficámos a saber como se recebeu sua eminência, o bispo de Leiria, que procurou acolhimento no Convento de Santo António. Conhecemos os nomes dos que compuseram a Junta de Governo da Vila e as medidas tomadas para protecção da cidade, bem como as que suportaram o desembarque dos ingleses.
Assistimos ao desembarque dos ingleses, primeiro em Buarcos (a nau Alfredo) e depois, no Cabedelo. Percebemos as estratégias em jogo no enfrentamento do invasor, com a posição de Wellington a prevalecer.

Na segunda invasão tomamos nota da resistência das populações à saída do governador José Correa Soares, bem como a abertura de donativos dos locais ao esforço de protecção da vila.

Na terceira invasão, de todas a que mais represálias teve sobre as populações, conhecemos o drama de Mariana Fernandes Thomás (irmã de Manuel) que dá nota, numa carta pormenorizada dirigida ao seu irmão, da forma como a sua família e ela própria foram vilipendiados pelo invasor e despojados dos seus bens e da sua liberdade.
Vivemos o drama das populações que ora debandam para os arredores, ora acorrem à vila.
Conhecemos as más condições em que vivem, o grassar da fome e das epidemias. Percebemos as preocupações da Câmara que se desdobrava na busca de alimentos e que depois teve que se preocupar com os mortos (passam a ser enterrados na cerca do convento de Santo António; nasceu assim, digamos, o cemitério Setentrional).
Tomámos nota, finalmente, da forma como se festejou, na Figueira e em Lavos, a expulsão das tropas francesas (16 de Abril de 1811).

A obra descreve ainda como se assinalou a efeméride nas comemorações do primeiro centenário. Um enorme e participado cortejo, envolvendo as escolas, as filarmónicas, as associações recreativas e profissionais, polícias e bombeiros e representantes de entidades várias desfilaram dos paços do concelho ao forte, onde houve missa e se assinalaram salvas de artilharia. Foi descerrada a lápide colocada no forte e de regresso aos paços do município onde se celebrou a sessão solene com vários discursos. Reza a obra que,
“O salão nobre, corredores e escadas estavam repletas de pessoas de todas as condições sociais. No vasto salão tudo quanto de distinto e notável existia na Figueira e arredores, e grande número de formosas e gentis damas”.

(Texto que serviu de base à apresentação da obra aquando da sua reedição – palácio Sotto Maior, 1 de Agosto).

A FIGUEIRA E A INVASÃO FRANCEZA



Republicação da obra, editada em 1910, da autoria de Pedro Fernandes Thomás. Constitui um relato interessante do que se passou na Figueira da Foz aquando da invasão francesa (as três), abordando as tomadas de posição dos poderes públicos, a retoma do forte por Zagalo, os desembarques das tropas, os medos e receios das populações, os ataques de que foram vítimas. OS documentos que acompanham são, também, de muito interesse.
Referência ainda, na obra, ao pároco Pister e Andrade (co-adjutor do Pároco de Lavos que recolheu Wellesley em sua casa) e ao seu poema "Wellingtaida", bem como às comemorações do primeiro centenário da invasão e ao poema "A Paz de Lysia" de José Figueiredo.
Uma (re)edição do livreiro Miguel Carvalho, apaixonado da história da Figueira e fiel depositário de muitas e boas obras sobre esta terra. Pelo que nos diz, depois deste e do "Folclore Pornográfico" editado no ano passado, as reedições vão continuar.