13 de abr. de 2009

OS ESTRAGOS DO MAR


N`estas circunstancias surgira uma nova e imperiosa necessidade — a da defeza contra o mar; e as camaras, instadas então pelos clamores dos habitantes das duas villas, viram-se obrigadas a pedirem outra vez a continuação das muralhas, juntando ao seu pedido não só a copia do alvará que em 1718 fora exigida pelo governador da província, mas ainda a do Mandado que fora dirigido ao provedor da co-marca de Coimbra acerca dos rendimentos do real d'agua applicados aquella obra.
A exposição que ellas fizeram dos males que causava o mar merece ser aqui transcripta.. «E porque, diz a petição, de se não terem continuado as obras da dita fortificação ate se acabarem, como convinha, tem resultado as ditas villas e seus habitadores grande e consideravel damno na perda de muitas casas, que se tem arruinado com o impulso do mar que nas occasioes de maior tempestade Ihe entra por aquella parte aonde se não estendem as muralhas que se chegaram a fazer e ate estas estão humas arruinadas, como sao as do forte de Santa Catharina junto a Barra, outras ameaçando ruina, de forma que a ultima cortina das que fortificam as ditas villas se acha com uma grande rotura aberta agora de novo no principio d'este inverno pelo im­pulso do mesmo mar, que esta continuamente combatendo as ditas muralhas...»
D'aqui se ve que ao tempo da petição já Buarcos sofria d'essas catastrophes que nos ainda há pouco presenciamos na povoação da Praia, e que o remédio que então se pro-curava dar-lhes era a construcção de uma obra defensiva, a semelhança da que o governo ultimamente mandou levan-tar n'aquella povoacão.
Também se deduz do exposto que a linha de fortificações de Buarcos, começada no tempo de Joao 4.º, se estendia ate a barra da Figueira, comprehendendo assim o forte de Sancta Catharina.

Santos Rocha, Materiaes para a História da Figueira nos séculos XVII e XVIII

23 de fev. de 2009

A CENSURA AO MAR ALTO

ARQUIVO E PAPÉIS DE JOAQUIM BARROS DE SOUSA (5). A CENSURA AO JORNAL MAR ALTO (1967-1974). 3

OBRIGADO, SALAZAR!


A NOVA BARRA DA FIGUEIRA



Há 150 anos era inaugurada a nova barra da Figueira da Foz. Sem grande sucesso, uma vez que três anos depois a barra voltaria a assorear. O Eng. Adolpho Loureiro descrevia assim o estado da foz, antes das obras:

A grandíssima diminuição da capacidade dos receptáculos interiores, já pelos assoreamentos e depósitos, já pela construção de diques vedando os terrenos ao acesso das aguas salgadas, e a rápida e progressiva obstrução do alveo do Mondego e dos seus afluentes, tanto pelos sedimentos e aluviões fluviais, quanto pelos marítimos, em breve começaram a ter por consequência o assoreamento do porto, a instabilidade e pequena profundidade do canal da barra, e a formação do banco exterior da foz do Mondego, muito próximo da costa” (1)

As obras traduziram-se num “paredão de 1200 metros de comprimento, assentado em funda estacaria”. Das rochas da praia do forte, fez-se cal, que serviu ao empreendimento e “cobriu-se esta praia de elevados aterros, defendidos do mar por grossos muros". Assim se conseguiu proteger “algumas povoações e muitas marinhas importantes” (a sul). (2)
As obras foram supervisionadas pelo Eng. Francisco Maria Pereira da Silva.

Mais tarde. já em 1929, teve que se proceder a obras de vulto no molhe sul e aproveitou-se o ensejo para construir a doca dos bacalhoeiros e aquele que ainda é o cais acostável da margem norte.
Em 1959 anunciavam-se novas obras…

(1) Adolpho Loureiro, Memórias sobre o porto e a barra da Figueira e as obras para o seu melhoramento, 1882.
(2) Filipe Simões, Cartas à Beira-Mar, cit. Por M. Pinto e R. Esteves em Aspectos da Figueira da Foz, 1945.

21 de fev. de 2009

BUARCOS PARA OS VIAJANTES (1917)



Pertenceu ao couto de Tavarede que foi villa muito importante nos séculos idos; e teve tambem foros de villa, do dominio e jurisdicçao do duque do Cadaval a quem pertencia tambem a barca de passagem da Figueira para o Cabedello. A antiga alfandega da Figueira, apesar de construida pouco mais ou menos no logar da actual, era designada nos seculos XV a XVII por Alfandega de Buarcos, havendo tam­bem documentos que lhe chamam Alfandega de Tavarede, a cujo couto a villa pertencia, como fica dito.
No tempo de Filippe II, quando este veio em perseguiçao de D. Antonio, Prior do Crato, as tropas filippinas invadiram Buarcos, relatando a historia os prejuizos que os invasores causaram, sobretudo no convento de Santo Antonio, que datava de 1527; assim como da historia consta tambem que em 1602, foi a antiga villa saqueada e destruida pelos piratas inglezes, que ali aportaram e desembarcaram, tendo trazido uma frota de 7 navios.
Foi sempre povoaçao muito dada a pesca, e ja em 1871, segundo o respectivo censo, contava 2.206 habitantes, na sua maior parte da classe piscatoria, o que ainda hoje sucede, não obstante ter crescido o numero d'almas e de fogos com o desenvolvimento adquirido, e as novas e algumas bem elegantes construções veraniegas, etc. Pelo censo de 1900 ja contava 5033 habitantes.
A Buarcos afluem por vezes grande numero de barcos dos pescadores do norte, que, acossados pelos temporaes, e não podendo entrar na Figueira, pro-curam varar na praia do Buarcos, que lhes offerece o melhor abrigo facilitado pela sua enseada.
Os barcos que veem do largo e pretendem recolher-se ali, teem de transpor as restingas e rochedos da costa, que deixam entre si canaes, ou carreiros, na propria phrase dos Pescadores, dos quaes os mais seguidos por esses barcos sao os chamados Carreiro Grande e Carreiro Pequeno. Com toda a sua pericia de experimentados, os Pescadores conduzem os seus barcos pelos estreitos canaes em referencia, sem tocar nas rochas onde se despedaçariam. Ao sahir, po­rém d'esses estreitos, e ao entrar no porto, recebem de proa uma forte corrente lateral, em consequência das vagas que se propagam pelos outros carreiros com desegual velocidade, de modo que so manobras muito habeis e felizes evitam que os barcos se voltem e pereçam os seus esforçados tripulantes. Quando o mar se acha encapellado e o temporal e rijo, dao-se alguns sinistros, contando-se sempre victimas, e dando-se na costa as scenas pungentes que podem imaginar-se,
Para se fazer uma ideia da importância do porto de Buarcos, diremos que só nos trez annos de 1868-69, 1869-70 e 1870-71, o valor da pesca realisada foi de 192:83O$023 reis, na moeda do tempo, tendo o respe-ctivo imposto rendido para o Estado 11:529S533 reis.
Nas praias limitrophes da de Buarcos, como sejam Quiaios, Palheiros, Cova de Lavos e Leirosa, havia en tao 28 grandes artes de pesca, 698 redes diversas, 540 apparelhos de anzol, 29 barcos grandes, 27 medianos e 48 mais pequenos, com 1143 Pescadores de profis-sao e 232 adventicios. D'ali se exportava ja peixe, em grande quantidade, para toda a parte', levando só o caminho de ferro de Hespanha e Alemtejo 600 toneladas.
(…)na sua Chorographia Moderna diz-nos João Maria Batista, que a antiga villa de Buarcos foi fundada por gentes da Galliza, que encontrando n`aquela costa abundância de pescaria, ali fizeram construir diversas cabanas de buinhos (espécie de junco) e arcos, e que d`esta circumstancia derivou o nome da povoação.

Figueira da Foz e arredores, indicações gerais para uso dos viajantes, Sociedade da Propaganda de Portugal,1917

1 de jan. de 2009

ANO NOVO

«...Ano Novo! Ei-lo aí...Benvindo seja!
Ano Bom, de ventura e de bonança» -
E em nossas almas, rútila, flameja
a luz imarcessível da esperança.

«Foi mau o que passou: lutas e dores.
Mas, no que vem, dos dias através,
-pensamos todos - ha-de ser de flores
o caminho que trilhem nossos pés!»

..............
E enquanto os anos vão correndo assim,
andamos neste louco movimento:
a bendizê-los pelo seu advento
... e a maldizê-los qundo estão no fim...

Campos Monteiro

Publicado in O Figueirense, 1 de Janeiro de 1948

11 de dez. de 2008

CAPITÃO FERREIRA E JOÃO COSTA



Os últimos que deslizaram nas carreiras foram, em 20 de Dezembro, os navios-motores bacalhoeiros “Capitão Ferreira” e “João Costa”, construídos nos Estaleiros Navais do Mondego para a Atlântica Companhia Portuguesa de Pesca, Ldª e para a Sociedade de Pesca Luso-Brasileira, Ldª. Deviam ter sido lançados à água na véspera, deslizar nas respectivas corredoras, por entre ambiente festivo dos outros navios a apitarem, aplausos de multidão, agitar frenético de boinas dos operários que com muita competência e dedicação, os construíram e fizeram, desde a quilha aos topes dos mastros, por entre acordes o Hino Nacional.
Assim devia ter sido.
Sucedeu, porém, que o temporal reinante em todo o país e que particularmente se fez sentir na Figueira da Foz, impediu que o lançamento à água se fizesse na data marcado.
(…) Estando tudo preparado para o lançamento à água dos dois navios, e sob a responsabilidade do mestre construtor Benjamim Mónica, estes desceram às águas do Mondego, enquanto o Sudoeste passava em rajadas que atingiam velocidades superiores a 100 quilómetros e a chuva caía em bátegas sucessivas.
(…) Mestre Benjamim Mónica, assistido pelos seus contra-mestres e operários e por seu irmão Manuel Maria Mónica, de Aveiro, tomou a responsabilidade de que o lançamento se faria. Na hora marcada os barcos desceriam sem novidade. Nem chuva, nem vento o impediriam se Deus quisesse e nossa senhora da Boa Viagem estivessem por ele e com ele.
(…) Escutaram-se toques de sereias, ouviram-se “vivas”, toda a gente se abraçava. (…) Descera, na carreira, vencendo o mais feroz oposição de vento e mar, o “Capitão Ferreira” e o “João Costa” – oitavo e nono navios lançados à água, no ano de 1945 em estaleiros nacionais, com destino à frota bacalhoeira e que já tomarão parte na campanha de 1946.

Jornal do Pescador, órgão das Casas dos Pescadores, Ano X, nº 85, Janeiro de 1946

29 de out. de 2008

JOAQUIM DE CARVALHO

Lembro-me, como se fosse ontem, das lições que me dava quando, por volta das 17 horas, saía da Biblioteca da Universidade. Com o seu sorriso largo e franco, acolhia-me de braços abertos, convidando-me a passear com ele pelo pateo da velha Alma Mater: só se detinha para admirar a paisagem suave do Mondego e dos campos circundantes.
(…) Recordo-me de que, certa tarde, tivemos de aguardar em Alfarelos o comboio para Coimbra. Passeando a todo o comprimento da estação, falou-me dos seus trabalhos, dos amigos e colegas (…).
Em 1949 encontrei-me em Roma, no mês de Junho, com Cabral de Moncada. Pedi-lhe que me indicasse uma boa síntese do pensamento religioso, filosófico e jurídico do século XVIII.. Aconselhou-me a consultar Joaquim de Carvalho “Verá que ele vai resolver o seu problema. Carvalho sabe tudo”.
Ele foi, porventura, o mais lúcido investigador da nossa civilização. Não obstante, um silêncio imerecido tem passado sobre o seu nome e os seus escritos. (…) Não obstante todos os seus créditos, o nome de Joaquim de Carvalho passou ao limbo dos estudiosos ignorados. Tratar-se-á do esquecimento que geralmente ocorre, mesmo no caso de figuras gigantescas da história intelectual, nas três ou quatro décadas que se seguem à sua morte? Como quer que seja, Joaquim de Carvalho não merecia este esquecimento.

José Pina Martins, 1978, prefácio à Obra Completa de Joaquim de Carvalho

27 de out. de 2008